Total de visualizações de página

domingo, 28 de agosto de 2011

Um dia para entrar na história

Acordamos cedo.
Na varanda da pousada, onde era servido o café da manhã, a mesa já estava posta à nossa espera. Dona Dione já estava lá, com sua simpatia de sempre, e preocupada que estivéssemos muito à vontade. A mesa era farta e só eu e o Foschini para comer. Além de todos aqueles ingredientes do café da manhã regional, havia também iogurtes, suco de frutas, banana frita, 3 tipos de queijo e o melhor: uma vista deslumbrante do Rio São Francisco, que corria silenciosamente a 20 metros dali.
Comemos bem, mesmo sabendo que logo entraríamos na água. Em conversas no dia anterior, agendamos para receber os repórteres às 9h da manhã em frente à prefeitura. 30 minutos antes encontraríamos o pessoal administrativo - secretários de esporte, turismo, pesca, etc. - para averiguar as condições mínimas para fazermos o reconhecimento do rio. Precisávamos de uma embarcação motorizada e um piloto experiente para nos alertar sobre os pontos críticos que poderiam representar algum risco para o nadador.
Na verdade, eu me vi ali na posição errada - e tenho me questionado bastante sobre isso ultimamente. Por que é que eu estava num lugar bonito daqueles para procurar os pontos de risco do rio? Eu deveria é estar procurando conhecer os pontos mais bonitos do rio, conhecer sua história, sua população, sua vegetação, sua fauna marinha, etc. Esses fatos têm me levado a pensar e a buscar conciliar as duas coisas e utilizar o teorema de JAQUE, que diz:
"JÁ QUE estou aqui para nadar, vou aproveitar para também curtir o local, sua população, cultura e todas as demais coisas boas da região."
Fizemos várias reuniões com os secretários, saindo de frente da prefeitura indo até o museu Lampião até a sala do Cacau, Secretário de Turismo, que reuniu a todos - já éramos umas dez pessoas neste momento - e discutíamos os próximos passos - guia, barco, entrevistas, etc.
Dirigimo-nos à prainha para nossa largada. Havia um píer onde o barco encostou, ali colocamos nossos pertences, os repórteres embarcaram - não sem antes conduzir entrevistas com os principais secretários da cidade - e combinamos nossa entrada na água.
Mergulhamos de cabeça no rio. Primeiro o Foschini, eu logo atrás. Buscamos o meio do rio e combinamos o ritmo de nado, que deveria ser bem leve no início. Dentro do barco, aquele personagem que poderá ser nossa tábua de salvação: tratava-se do Carlinhos, experiente barqueiro, guarda-vidas e mergulhador da região. Ele conhecia tudo do rio. Mergulhava por ali com frequência - inclusive para resgatar corpos!!!
Ele logo entendeu o que buscávamos e orientou:
- Vamos até o Caçamba para vocês sentirem como é. Tem alguns redemoinhos por lá e não tem jeito - vocês vão ter que passar por eles.
Naquela hora eu me animei. Não sentia mais o receio do dia anterior - talvez por estarmos acompanhados, não sei dizer. Mas eu estava com muita fome de água - o redemoinho seria um temperinho a mais...
Fomos nadando, o barco nos acompanhando ao largo, com o cuidado de não ficar próximo demais dos nadadores. Após alguns poucos minutos, veio o aviso do Carlinhos:
- Olhem ali na frente. Tão vendo aquela pedra? Passem à esquerda dela. fiquem espertos, pois vai ficar mexido...
Não era uma pedra qualquer - era grande e saltava do rio bem no meio de seu leito. As águas se revolviam e formavam inúmeros redemoinhos ao seu redor. Seria impossível escapar deles. Segui na direção indicada. Percebi que o Foschini icomeçou a derivar um pouco para a direita. Eu parei de nadar e gritava feito um louco pra ele se aproximar, mas ele, com a caabeça dentro da água, não conseguiu me ouvir.
Logo tive que deixar de me preocupar com o Foschini, pois, olhando à frente, vi que a hora de demonstrar o meu preparo estava chegando: eles estavam logo ali, a poucos metros de distância. Eram muitos, com cerca de 3 a 4 metros de diâmetro e um olho voraz em seu centro.
- Vamos lá - pensei. Vamos dar um nó neles!!!
Assim, com a cabeça alta, negociei minha entrada no primeiro - não faço ideia de quantos eu atravessei até sair daquela região, mas a sensação era mais ou menos a mesma:
Você entra retinho, absolutamente alinhado, a froça rotatória te dá uma entortada que leva seu tórax e pernas para um lado, enquanto seus braços e sua cabeça estão tentando seguir adiante. Até este ponto, tudo bem. o problema foi quando comecei a sentir os pés afundando. Eles puxavam sim, não tão forte que você não pudesse reagir, mas forte o suficiente para dar aquela descarga de adrenalina. Passei a bater as pernas com força, até sentir que elas estavam nivelando novamente. Com o corpo torto, fiz um bocado de força com os braços. Não foi pouca coisa. Meu objetivo era manter-me na superfície - ali não haveria perigo.
Passei pelo primeiro - depois vieram outros mais - cerca de uns 3 ou 4 e eu passei pelo Caçamba. Já bem tranquilo, gritei pro barco:
- Vão atrás do Foschini! Eu estou bem. Vão ver onde aquele cara foi se meter!
Para mim, o Foschini ia diretamente na direção da grande pedra. Ele deve tê-la visto a tempo, mas ele sofreu um bocado a mais para se safar.
Enquanto esperava o barco trazer notícias do Foschini, fui arremessado com a somatória das forças da correnteza e dos redemoinhos rio abaixo. A água era um verdadeiro espelho e me transmitia a falsa impressão de que eu estava parado - olhei para a frente e vi uma pedra vindo rapidamente na minha direção por cima da água. Era uma pedra grande com cerca de um metro de altura e dois de largura.
- Como será possível? - pensei. Pedras não flutuam e, menos ainda, não correm na superfície da água!!!
Dada minha miopia e meu estado de êxtase emocional, levei alguns segundos até perceber que o rio estava me levando na direção da pedra e, graças à Teoria da Relatividade de Einstein, fui facilmente enganado! Sem muito esforço, saí de seu caminho e passei a esperar meus amigos, que viriam logo atrás.
Foi quando o Carlinhos nos falou:
- Esse foi fácil. Mais pra frente vamos encontrar o Mateus. Vocês querem passar ou querem subir no barco?
Esse é o tipo de pergunta que não se deve fazer para nadadores. Se houver um resquício de preocupação que for, por menor que seja, ele vai aceitar a carona do barco.
Eu respondi ao Carlinhos mais com a razão do que com a emoção:
- Nós estamos aqui para conhecer o rio. Você nos disse que não era perigoso a ponto de comprometer a segurança, então vamos passar nadando, sim!
O Mateus era uma região que foi comentada conosco no dia anterior nas rodas de conversa com a população local. As histórias contadas eram todas trágicas. Mas eu me sentia muito confiante e seguro, pelas palavras do próprio Carlinhos. Seguimos descendo o rio.
Passados poucos minutos, chegamos perto. O Carlinhos orientou o melhor (ou o menos pior) caminho e lá fomos nós. A essa altura do campeonato eu já havia explicado ao Foschini a minha técnica para passar. Eu lhe dizia em alta voz, para que não houvesse dúvidas:
- Quando você estiver chegando perto, levanta a cabeça para olhar. Procure o olho do redemoinho e fuja dele, nade sobre seu braço maior. Mantenha o corpo sempre horizontal e não deixe que te afunde os pés. Em hipótese alguma fique de pé.
Lembro-me que o Foschini ainda retrucou:
- Mas se eu levantar a cabeça pra olhar, os pés afundam.
Não deu tempo para discutir tecnicamente o caso. Eles estavam se aproximando e cada um passou à sua moda. Com uma diferença: no Mateus, os redemoinhos eram ainda maiores e mais fortes - ali eu tive que fazer força pra valer. Busquei enxergar o sentido de rotação, mas com os olhos a apenas 10 ou 15 centímetros acima do nível d'água, fica difícil discernir tudo com precisão.
Passadas estas duas regiões, fomos orientados sobre a Barra do Saco, que também merecia algum respeito. Mas esse nós não chegamos a visitar, pois foi considerado pelo Carlinhos como uma região que seria bem mais tranquila.
O barco nos levou alguns minutos à frente e nadamos em regiões muito tranquilas, com remansos de um lado e canions de grande profundidade no outro. A dica era sempre evitar os remansos, onde a água quase para. Entramos novamente na água para nadar mais um pouco. O Foschini estava branco! Nem parecia muito motivado a nadar - acho que foi o susto do Mateus.
Chegamos a uma região onde o guia nos falou:
- Aqui estamos perto de Angicos, a região onde Lampião foi emboscado e morto. É só entrar por esta mata aqui - apontava na direção da margem de Sergipe - e entrar uns quilômetros.
Voltamos ao barco, que nos levou de volta até o píer de Piranhas. No meio do caminho, divertimo-nos quando o Carlinhos nos indicou pontos de alta correnteza que eu tentei vencer nadando, mas não consegui. tratava-se de uma região onde o leito do rio se estrangulava muito e sua vazão era muito concentrada - valeu pela experiência. A natureza nunca deve ser desafiada - ela deve ser respeitada e eu sabia disso.
Ao chegar em Piranhas, as entrevistas para a TV ainda dentro do barco e a despedida até o almoço, que nos foi oferecido gentilmente pela prefeitura local.


Almoçamos no mirante, com essa vista magnífica da região. Na foto acima, o Eduardo (Secretário de Pesca), o Foschini, os três amigos repórteres da TV Gazeta e eu.
Foi a primeira vez que comi Pitu, um camarão de água doce muito grande! Como se pode ver na foto acima, todos eram naturalistas e, por isso, ninguém comeu o verde - as saladas estavam intactas! Rsrsrsrs.
Se alguém for até a região eu recomendo o local - comida boa e hospitalidade ainda melhor!
Aliás, toda a cidade de Piranhas está de parabéns! Esperamos voltar no dia 4 de outubro para uma grande festa - todos vocês estão convidados!

5 comentários:

  1. Aterrorizante, Emocionante, Desafiador. São esses ingredientes que nos levam adiante, nos fazem ter uma preparação extenuante.O medo faz parte, sem ele a coragem ficaria desacompanhada. Contagem regressiva!

    ResponderExcluir
  2. Tô contigo, Alê. Chegando lá, podemos fazer uma visitinha aos locais citados para vocês conhecerem também. Abraço,

    ResponderExcluir
  3. Olá, peixarada! Tudo bem?
    Confesso que fiquei um pouco petrificada de medo com a sua narração neste post...
    Mas o que seria da vida sem um pouco de adrenalina, não?
    Neste post, mais do que qualquer outro já postado, você demonstra que a preparação e o planejamento são realmente primordiais para encarar um desafio desse porte! - Somado ao famoso: "Não entre em pânico!"
    O rio São Francisco e suas particularidades...
    Parabéns pela equipe que conseguiram reunir e que Deus esteja com vocês a cada passo e a cada braçada daqui por diante!
    Prá frente cardume! :D
    Um grande abraço!

    ResponderExcluir
  4. Realmente, os rapazes conseguiram curtir e usufruir da paisagem e a história da região. Eu, particularmente, admiro o empenho e a força de vontade de todos os que irão participar deste enorme evento. Com certeza, a dedicação e o sacrifício de cada um valerão a pena. Sucesso, é o que desejo a todos aqueles que estão se dedicando a esta empreitada.

    ResponderExcluir
  5. Obrigado, Mara, por suas palavras de incentivo. Outra coisa que nos incentiva bastante - você conhece o Foschini e sabe do que eu estou falando - é a foto desse almoção que tivemos por lá. Nada melhor do que uma boa refeição após alguns quilômetros nadados!
    Depois da tempestade, a bonança!
    Depois da Travessia, a comilança! Rsrsrsrsrs.

    ResponderExcluir