Primeiramente vou complementar uma informação da postagem anterior. Tenho que publicar a foto do nosso café da manhã, junto com o Foschini, com nosso big brother, o Rio São Francisco, ao fundo. Esta foto ficou escondida em minha máquina e eu só a achei hoje. Então, aí vai.
Vamos agora voltar a Piranhas. Vejam que paisagem deslumbrante: o centro da cidade fica às margens do Rio e é formada por casinhas coloridas beeeeem antigas - daquelas que têm a porta da sala dando direto na calçada.
Esta cidade é cheia de histórias pois funcionava como um terminal logístico nos velhos tempos (não sei precisar a data exata - talvez algum historiador possa nos ajudar?). Naquela época ela fazia a interligação da navegação fluvial com o modal ferroviário. A cidade dispunha de uma estrada de ferro que se ligava a Petrolina, no sertão pernambucano - cidade hoje alagada pelo reservatório de Xingó. Sua estação pode ser vista na foto acima, no prédio mostrado no canto inferior esquerdo. De quem está olhando a partir do Rio, sua construção aparece bem imponente!
Como pode se ver, nesse ponto, o Rio São Francisco não é muito largo - estimo uns duzentos metros - pouco quando comparado com o que veremos mais próximo da foz.
Fizemos vários contatos com os administradores da cidade e agendamos nosso passeio de reconhecimento do rio para o dia seguinte. Procuramos uma pousada - há inúmeras por lá - todas repletas de pernilongos, para alegria e satisfação do Foschini. Nunca vi uma pessoa mais estressada com pernilongos do que ele. Rsrsrs. Acabamos escolhendo a Pousada Lírios do Vale, de propriedade da Sra. Dione, que é natural da região e que tão bem nos acolheu.
Apesar de a foto estar um tanto escura, dá pra perceber que a simpatia da Dona dione é inversamente proporcional à sua altura. Pensando bem, ao lado do Foschini, qualquer um fica pequeno, não é mesmo?
Percebam que sua pousada dava fundos para o Rio - fator que nos interessou e muito. Não dá pra ver direito, mas atrás deles, no Rio, está ancorada uma embarcação típica da região: a Canoa de Tolda. Ela tem dois mastros, seu projeto original é holandês e só existem 3 unidades remanescentes no Brasil: uma está aqui, outra em cidade mais próxima à foz e outra em museu. Para ilustrar melhor, anexo uma foto tirada da internet:
Linda, não? Pois ela vai nos acompanhar no primeiro dia de nossa travessia, juntamente com tantos outros barcos e caiaques. Será uma festa na cidade. Coisa de cidade do interior, que ainda curte a simplicidade como meio de ser feliz!
Tive uma verdadeira aula sobre Canoas de Tolda com o pessoal da cidade. Não vou me arriscar a discorrer sobre o tema para não parecer (mais) chato, mas acreditem, ali você respira parte da história do Brasil.
Isto sem falar no Lampião, rei do cangaço, que habitava a região fazendo justiça por seus próprios meios e que foi emboscado no sertão de Sergipe (passamos perto de lá nadando) no ano de 1938. Suas cabeças foram cortadas e expostas em Piranhas na escadaria da igreja. Nós conhecemos pessoalmente o local - há fotos na Wikipedia sobre o fato - e Dona Dione nos contou muitas histórias dessa época.
Ao final da tarde, o momento tão esperado chegou: hora de entrar no Rio e saber o que nos esperava. Já eram mais de 5 horas da tarde quando entramos pelos fundos da pousada nas cristalinas águas do Velho Chico. Sua beleza impressiona. O primeiro contato é muito importante, pois é o momento em que o nadador entra em sintonia com o rio - eles têm que ser amigos, afinal, vão passar muitas horas juntos.
Nadador que é esperto sabe que tem que respeitar o rio. Ele está lá há muito tempo - nós somos os intrusos, que viemos visitar um amigo que vai nos acolher por alguns dias. Ele é soberano - nós não somos nem titica de galinha...
A água estava numa temperatura ótima - estimo uns 24 ou 25 graus. Muito boa para uma travessia. O chão, próximo à margem, era firme, havia rochas enormes que saltavam da água com mais de um metro de altura.
Registrei uma foto com um colega ribeirinho sobre uma dessas pedras. Ao fundo à direita, a Canoa de Tolda com suas velas recolhidas.
Fomos entrando, primeiro passo: 10 cm de profundidade; segundo, 15 cm; terceiro, 20 cm; quarto, 30 cm; quinto e último: 40 metros de profundidade!!! Eu me perguntava se aquele ambiente era real! Aquilo era um verdadeiro abismo coberto por água. Algumas pessoas na cidade falavam em até 90 metros em alguns lugares. Fiquei impressionado com a água, que no raso era cristalina e, no fundo, não permitia enxergar sua real profundidade. Mas esse "fundo" não estava além de uns seis metros de distância da margem.
Fiquei preocupado com a correnteza e fomos muito cautelosos para não entrar no meio do rio e sermos levados rio abaixo. Mas ela não era assim tão forte. Conseguimos nadar rio acima sem muito esforço e depois nos deliciamos soltando o braço rio abaixo. Foi maravilhoso.
Observamos vários redemoinhos que se formavam aqui e ali no leito do rio. Eles são formados pelo desvio do curso da água pela irregularidade do leito do rio. A água desvia em pedras e ressaltos e ressurge na superfície com força, formando redemoinhos de variados tamanhos. O que mais me impressionou foi ver alguns objetos flutuando serem capturados pelos redemoinhos e sumariamente sugados para o fundo - eu olhava por debaixo da água enquanto nadava. Já havíamos ouvido muitas histórias na cidade de pessoas que morreram nessas condições. Apesar de, naquele ponto, o risco não se apresentar como sério, sabíamos que, rio abaixo, as regiões de Caçamba e o "terrível" Mateus nos aguardavam. Aqueles seriam os pontos críticos que conheceríamos no dia seguinte, com a ajuda de um barco de apoio e a presença da TV Gazeta - a Rede Globo da região.
Eu saí da água e, pela primeira vez em minha vida, estava com medo. Não era um medão, mas um medinho que é até saudável. Comentei com o Foschini - ele não se impressionou o mesmo tanto que eu - certamente por sua vasta experiência aquática. Mas fiz questão de falar, para não ficar um sentimento represado. Afinal, quem tem, tem medo - já diz o ditado.
Voltamos para o quarto para, na companhia dos pernilongos, tomar um banho quente e dar uma volta pela cidade antes de dormir. Deitei-me pensando na melhor estratégia para o dia seguinte. As ideias estavam fervilhando em minha cabeça - como vou enxergar todas a pedras, inclusive as submersas? como vou passar pelos redemoinhos? quem pode nos orientar? onde conseguir um guia?, entre tantas outras dúvidas.
Após uma boa noite de sono (a primeira em dois dias), estávamos refeitos e prontos para o reconhecimento, que passo a descrever na próxima postagem.
Cinco destemidos nadadores encaram o desafio de nadar 170 km no Rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe. Sem se deixar esmorecer pelos fortes redemoinhos e pelas altas ondas provocadas pelo vento terral, eles têm boas histórias para contar. Em meio a um povo humilde e hospitaleiro, marcado por uma forte diferença social eles cumprem seu objetivo: evidenciar a necessidade de preservação do rio e de seu ecossistema. Embarque nesta aventura!
Olá! Peixarada! Tudo bem?
ResponderExcluirRealmente, a cidade de Piranhas me parece ser um lugar para se morar, com tranquilidade, junto às suas histórias e em paz com a natureza. Interessante essa canoa de tolda! Fiquei curiosa para saber como ela funciona!:)
Mas... Vem cá: 40 METROS DE PROFUNDIDADE no 5o passo?! Só pode ser brincadeira! Deve ser misteriosamente amedrontador, mesmo! - Eu, que morro de medo desses bichos, como o Monstro do Loch Ness e coisa e tal!! - Não tem nenhuma história parecida por aí, não?!
Histórias e medos à parte, desejo muita sorte aí nas suas andanças e braçadas!
Prá frente cardume, que atrás vem mais peixe!
Um grande abraço!