Acordamos cedo.
Na varanda da pousada, onde era servido o café da manhã, a mesa já estava posta à nossa espera. Dona Dione já estava lá, com sua simpatia de sempre, e preocupada que estivéssemos muito à vontade. A mesa era farta e só eu e o Foschini para comer. Além de todos aqueles ingredientes do café da manhã regional, havia também iogurtes, suco de frutas, banana frita, 3 tipos de queijo e o melhor: uma vista deslumbrante do Rio São Francisco, que corria silenciosamente a 20 metros dali.
Comemos bem, mesmo sabendo que logo entraríamos na água. Em conversas no dia anterior, agendamos para receber os repórteres às 9h da manhã em frente à prefeitura. 30 minutos antes encontraríamos o pessoal administrativo - secretários de esporte, turismo, pesca, etc. - para averiguar as condições mínimas para fazermos o reconhecimento do rio. Precisávamos de uma embarcação motorizada e um piloto experiente para nos alertar sobre os pontos críticos que poderiam representar algum risco para o nadador.
Na verdade, eu me vi ali na posição errada - e tenho me questionado bastante sobre isso ultimamente. Por que é que eu estava num lugar bonito daqueles para procurar os pontos de risco do rio? Eu deveria é estar procurando conhecer os pontos mais bonitos do rio, conhecer sua história, sua população, sua vegetação, sua fauna marinha, etc. Esses fatos têm me levado a pensar e a buscar conciliar as duas coisas e utilizar o teorema de JAQUE, que diz:
"JÁ QUE estou aqui para nadar, vou aproveitar para também curtir o local, sua população, cultura e todas as demais coisas boas da região."
Fizemos várias reuniões com os secretários, saindo de frente da prefeitura indo até o museu Lampião até a sala do Cacau, Secretário de Turismo, que reuniu a todos - já éramos umas dez pessoas neste momento - e discutíamos os próximos passos - guia, barco, entrevistas, etc.
Dirigimo-nos à prainha para nossa largada. Havia um píer onde o barco encostou, ali colocamos nossos pertences, os repórteres embarcaram - não sem antes conduzir entrevistas com os principais secretários da cidade - e combinamos nossa entrada na água.
Mergulhamos de cabeça no rio. Primeiro o Foschini, eu logo atrás. Buscamos o meio do rio e combinamos o ritmo de nado, que deveria ser bem leve no início. Dentro do barco, aquele personagem que poderá ser nossa tábua de salvação: tratava-se do Carlinhos, experiente barqueiro, guarda-vidas e mergulhador da região. Ele conhecia tudo do rio. Mergulhava por ali com frequência - inclusive para resgatar corpos!!!
Ele logo entendeu o que buscávamos e orientou:
- Vamos até o Caçamba para vocês sentirem como é. Tem alguns redemoinhos por lá e não tem jeito - vocês vão ter que passar por eles.
Naquela hora eu me animei. Não sentia mais o receio do dia anterior - talvez por estarmos acompanhados, não sei dizer. Mas eu estava com muita fome de água - o redemoinho seria um temperinho a mais...
Fomos nadando, o barco nos acompanhando ao largo, com o cuidado de não ficar próximo demais dos nadadores. Após alguns poucos minutos, veio o aviso do Carlinhos:
- Olhem ali na frente. Tão vendo aquela pedra? Passem à esquerda dela. fiquem espertos, pois vai ficar mexido...
Não era uma pedra qualquer - era grande e saltava do rio bem no meio de seu leito. As águas se revolviam e formavam inúmeros redemoinhos ao seu redor. Seria impossível escapar deles. Segui na direção indicada. Percebi que o Foschini icomeçou a derivar um pouco para a direita. Eu parei de nadar e gritava feito um louco pra ele se aproximar, mas ele, com a caabeça dentro da água, não conseguiu me ouvir.
Logo tive que deixar de me preocupar com o Foschini, pois, olhando à frente, vi que a hora de demonstrar o meu preparo estava chegando: eles estavam logo ali, a poucos metros de distância. Eram muitos, com cerca de 3 a 4 metros de diâmetro e um olho voraz em seu centro.
- Vamos lá - pensei. Vamos dar um nó neles!!!
Assim, com a cabeça alta, negociei minha entrada no primeiro - não faço ideia de quantos eu atravessei até sair daquela região, mas a sensação era mais ou menos a mesma:
Você entra retinho, absolutamente alinhado, a froça rotatória te dá uma entortada que leva seu tórax e pernas para um lado, enquanto seus braços e sua cabeça estão tentando seguir adiante. Até este ponto, tudo bem. o problema foi quando comecei a sentir os pés afundando. Eles puxavam sim, não tão forte que você não pudesse reagir, mas forte o suficiente para dar aquela descarga de adrenalina. Passei a bater as pernas com força, até sentir que elas estavam nivelando novamente. Com o corpo torto, fiz um bocado de força com os braços. Não foi pouca coisa. Meu objetivo era manter-me na superfície - ali não haveria perigo.
Passei pelo primeiro - depois vieram outros mais - cerca de uns 3 ou 4 e eu passei pelo Caçamba. Já bem tranquilo, gritei pro barco:
- Vão atrás do Foschini! Eu estou bem. Vão ver onde aquele cara foi se meter!
Para mim, o Foschini ia diretamente na direção da grande pedra. Ele deve tê-la visto a tempo, mas ele sofreu um bocado a mais para se safar.
Enquanto esperava o barco trazer notícias do Foschini, fui arremessado com a somatória das forças da correnteza e dos redemoinhos rio abaixo. A água era um verdadeiro espelho e me transmitia a falsa impressão de que eu estava parado - olhei para a frente e vi uma pedra vindo rapidamente na minha direção por cima da água. Era uma pedra grande com cerca de um metro de altura e dois de largura.
- Como será possível? - pensei. Pedras não flutuam e, menos ainda, não correm na superfície da água!!!
Dada minha miopia e meu estado de êxtase emocional, levei alguns segundos até perceber que o rio estava me levando na direção da pedra e, graças à Teoria da Relatividade de Einstein, fui facilmente enganado! Sem muito esforço, saí de seu caminho e passei a esperar meus amigos, que viriam logo atrás.
Foi quando o Carlinhos nos falou:
- Esse foi fácil. Mais pra frente vamos encontrar o Mateus. Vocês querem passar ou querem subir no barco?
Esse é o tipo de pergunta que não se deve fazer para nadadores. Se houver um resquício de preocupação que for, por menor que seja, ele vai aceitar a carona do barco.
Eu respondi ao Carlinhos mais com a razão do que com a emoção:
- Nós estamos aqui para conhecer o rio. Você nos disse que não era perigoso a ponto de comprometer a segurança, então vamos passar nadando, sim!
O Mateus era uma região que foi comentada conosco no dia anterior nas rodas de conversa com a população local. As histórias contadas eram todas trágicas. Mas eu me sentia muito confiante e seguro, pelas palavras do próprio Carlinhos. Seguimos descendo o rio.
Passados poucos minutos, chegamos perto. O Carlinhos orientou o melhor (ou o menos pior) caminho e lá fomos nós. A essa altura do campeonato eu já havia explicado ao Foschini a minha técnica para passar. Eu lhe dizia em alta voz, para que não houvesse dúvidas:
- Quando você estiver chegando perto, levanta a cabeça para olhar. Procure o olho do redemoinho e fuja dele, nade sobre seu braço maior. Mantenha o corpo sempre horizontal e não deixe que te afunde os pés. Em hipótese alguma fique de pé.
Lembro-me que o Foschini ainda retrucou:
- Mas se eu levantar a cabeça pra olhar, os pés afundam.
Não deu tempo para discutir tecnicamente o caso. Eles estavam se aproximando e cada um passou à sua moda. Com uma diferença: no Mateus, os redemoinhos eram ainda maiores e mais fortes - ali eu tive que fazer força pra valer. Busquei enxergar o sentido de rotação, mas com os olhos a apenas 10 ou 15 centímetros acima do nível d'água, fica difícil discernir tudo com precisão.
Passadas estas duas regiões, fomos orientados sobre a Barra do Saco, que também merecia algum respeito. Mas esse nós não chegamos a visitar, pois foi considerado pelo Carlinhos como uma região que seria bem mais tranquila.
O barco nos levou alguns minutos à frente e nadamos em regiões muito tranquilas, com remansos de um lado e canions de grande profundidade no outro. A dica era sempre evitar os remansos, onde a água quase para. Entramos novamente na água para nadar mais um pouco. O Foschini estava branco! Nem parecia muito motivado a nadar - acho que foi o susto do Mateus.
Chegamos a uma região onde o guia nos falou:
- Aqui estamos perto de Angicos, a região onde Lampião foi emboscado e morto. É só entrar por esta mata aqui - apontava na direção da margem de Sergipe - e entrar uns quilômetros.
Voltamos ao barco, que nos levou de volta até o píer de Piranhas. No meio do caminho, divertimo-nos quando o Carlinhos nos indicou pontos de alta correnteza que eu tentei vencer nadando, mas não consegui. tratava-se de uma região onde o leito do rio se estrangulava muito e sua vazão era muito concentrada - valeu pela experiência. A natureza nunca deve ser desafiada - ela deve ser respeitada e eu sabia disso.
Ao chegar em Piranhas, as entrevistas para a TV ainda dentro do barco e a despedida até o almoço, que nos foi oferecido gentilmente pela prefeitura local.
Almoçamos no mirante, com essa vista magnífica da região. Na foto acima, o Eduardo (Secretário de Pesca), o Foschini, os três amigos repórteres da TV Gazeta e eu.
Foi a primeira vez que comi Pitu, um camarão de água doce muito grande! Como se pode ver na foto acima, todos eram naturalistas e, por isso, ninguém comeu o verde - as saladas estavam intactas! Rsrsrsrs.
Se alguém for até a região eu recomendo o local - comida boa e hospitalidade ainda melhor!
Aliás, toda a cidade de Piranhas está de parabéns! Esperamos voltar no dia 4 de outubro para uma grande festa - todos vocês estão convidados!