Logo após a largada, já estávamos esperando encontrar as regiões mais turbulentas do rio.
Em poucos minutos, chegamos a Caçamba. Eu estava ligeiramente à frente do grupo e fui o primeiro a entrar e sair da primeira leva de redemoinhos.
Nadei forte, bati muita perna e não deixei os pés afundarem, quando puxados para baixo. É uma sensação forte e desagradável saber que há algo ali embaixo da água que conspira contra você. Trata-se de um inimigo invisível, com força nada desprezível, em direção ao qual você se dirige, sem poder evitá-lo. Mas felizmente a forte emoção se vai rapidamente ao passar pela turbulenta região com a ajuda da correnteza.
Não parei de nadar, apenas reduzi o ritmo. O pior ainda estava por vir - a segunda região, chamada de Mateus - apresenta redemoinhos mais fortes e eu tinha que estar preparado. Os barcos ficaram um pouco para trás para acompanhar os demais nadadores.
De vez em quando eu olhava para trás para tentar identificar como estavam meus companheiros, mas percebi que estavam no meio de suas batalhas.
Como disse o Alessandro, ao final do dia:
- Deus me livre! Se eu tivesse passado uma primeira vez ali para conhecer a região eu não teria voltado nunca mais. É a mesma coisa que nadar dentro de um liquidificador!
A região do Mateus estava se aproximando. O barco dos bombeiros ficou pra trás para ajudar meus colegas, o Carlinhos se aproximou de mim antes de eu entrar no Mateus. Conforme previsto, ali a briga foi mais feia e cansativa, mas consegui passar e parei de nadar logo em seguida, para esperar meus companheiros. Mesmo sem nadar, aquela região, que é rica em corredeiras, lhe propicia uma velocidade de deslocamento bastante agradável.
O pessoal não chegava e comecei a estranhar. Afinal, eu não estava nadando forte neste início de prova - havíamos combinado dessa maneira - somente nos desgarraríamos após estarmos seguros de que todos haviam passado bem por ali. Depois de alguns minutos, o Carlinhos voltou e me contou o que havia acontecido: as dificuldades não foram poucas naquele trecho. O próprio Foschini - nadador experiente como é - ficou circulando num redemoinho que deixou os bombeiros em estado de alerta. Estes me contaram mais tarde que estavam a ponto de pular na água para retirá-lo dali, mas no final o nadador conseguiu se desvencilhar e seguir em frente.
Passado o susto inicial, seguimos nadando. Eu estava um pouco à frente, esperando que o Foschini se juntasse a mim - assim havíamos combinado. Mas, por razões que desconhecia no momento, ele resolveu ficar nadando no grupo de trás por um bom tempo, diferente do combinado entre nós.
Com a ajuda da correnteza, nadei cerca de 8 km na primeira hora. Este resultado era incrível - quase duas vezes minha melhor marca em piscina! Se conseguíssemos manter esse ritmo, terminaríamos o primeiro dia em menos de seis horas, o que, obviamente, era um sonho impossível.
Mas cabeça de engenheiro gosta de fazer contas - isso é inevitável!
O tempo foi passando e a correnteza foi se reduzindo. O rio aos poucos começava a ganhar largura e, assim, a vazão era diluída e passava a nos empurrar cada vez menos. Aos poucos percebia que o Foschini e eu nos alternávamos na ponta da prova. Não havia competição ali - cada um tinha o seu ritmo de prova e isso gerou algumas das diferenças de desempenho - nada além disso.
No meio do caminho ainda passávamos por várias regiões onde se sentiam turbulências parecidas com os redemoinhos recém-vencidos. Eram de menor intensidade, mas como dito pelo Alessandro:
- Cada vez que eu passava por elas, eu tremia todo só de lembrar daquilo. Era muito ruim!
Depois de uns quinze ou vinte quilômetros, travamos contato com aqueles que seriam nossos maiores inimigos em nossa empreitada: os maretões.
Maretões são ondas formadas pelo vento, que sopra sempre do mar para o interior - isto é, sempre contrárias ao nadador - que começam como uma leve tremulação da superfície da água e terminam como ondas de mais de meio metro de altura, que atrapalham - e bastante - os nadadores. Nadar contra ondas desequilibra o nadador e exige do mesmo esforços grandes em suas articulações - em especial dos ombros - o que pode comprometer o sucesso de nosso projeto. Afinal, eu treinei sem vento e sem marolas e agora a realidade era outra. Seria possível completar naquelas condições?
Eu apanhei bastante daquelas ondas. Na verdade, eu era péssimo para nadar em condições assim adversas - já havia tentado aprender antes e não me dava bem. Somente consegui me superar nesta técnica no terceiro dia, como explicarei mais adiante.
Este trecho final foi bastante demandante e cansativo. Cerca de metade dos 45 km foram sob os efeitos dos maretões. Não foi fácil. As ondas nos impediam de ver os colegas na água e isso ajudou a nos distanciar no rio. O Carlinhos ficava um pouco comigo e um pouco com o Foschini. Os bombeiros ficaram o tempo todo com os demais.
Após 6 horas e quarenta minutos, chegamos à cidade de Pão de Açúcar. A cidade leva esse nome por que tem um morro à beira do rio de forma levemente arredondada, que relembra (muito remotamente) o seu irmão carioca de mesmo nome. Para economizar, o pessoal dali resolveu colocar uma estátua do Cristo Redentor (bem menor em tamanho) em cima do Pão de Açúcar mesmo - afinal, eles não tinham um corcovado sobrando na região...
A chegada foi algo quase como um filme de terror. Já cansado, eu buscava me aproximar da margem, onde o barco atracara. No leito do rio, que ali era bem mais raso, se apresentavam algumas formas vegetais muito estranhas em forma e, principalmente em textura. Eram espécies de algas, típicas da região, que se formavam no fundo do rio, cresciam e algumas estouravam, liberando ramificações que insistiam em roçá-lo, gerando uma sensação muito desagradável. Elas ficavam praticamente imóveis, dando a impressão de serem rígidas e firmes, mas eram moles como folhas. Eu não ousava tocá-las, por serem demais repugnantes, mas quanto mais me aproximava da margem, mais elas se adensavam e não me davam espaço para minhas braçadas.
À beira do rio, um representante da prefeitura nos recebeu e uma dúzia de moleques fugidos da escola apareceram para saber o que estava acontecendo. Dali iríamos para a pousada, para descansar. Esperamos a chegada de todos, nos despedimos do Carlinhos com muito pesar, pois ele conhecia muito bem o rio e não nos acompanharia mais daquele ponto em diante. Ele aproveitou a claridade do dia e subiu ligeiro em sua voadeira de volta para Piranhas para dar as boas novas na cidade:
- Eles conseguiram vencer a primeira etapa - todos eles, incluindo ali o Tarzan do Cangaço.
Novas emoções ainda estavam por vir naquela noite!
Cinco destemidos nadadores encaram o desafio de nadar 170 km no Rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe. Sem se deixar esmorecer pelos fortes redemoinhos e pelas altas ondas provocadas pelo vento terral, eles têm boas histórias para contar. Em meio a um povo humilde e hospitaleiro, marcado por uma forte diferença social eles cumprem seu objetivo: evidenciar a necessidade de preservação do rio e de seu ecossistema. Embarque nesta aventura!
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Existem dificuldades que depois de passadas se tornam lembranças boas e até mesmo engraçadas. Não posso dizer que os redemoinhos pertencem a esse grupo. Apesar de ter sido alertado e visto via vídeo o reconhecimento do Edmundo e do Percival meses antes, fui pego de surpresa. Por mais que saibamos que quando o redemoinho exerce sua força sobre nós não devemos levantar a cabeça, pois dessa forma os pés abaixam mais e ficamos ainda mais a mercê da força da água, não tem jeito, minha primeira reação foi olhar para frente para ver se alguém estava me vendo e pudesse me socorrer. Mas dei azar, estavam entretidos com o Foschini e ninguém me viu...
ResponderExcluirFoi uma das sensações mais desagradáveis por que passei em toda minha vida, no momento do susto tive uma contração abdominal muito forte, que me impediu de respirar bem por muito tempo. A única certeza que tive naquele momento foi de que só nadaria aquela etapa e nunca mais participaria de qualquer travessia, pensei na família e em tudo que "quase perdi", mas como o ser humano é teimoso, na medida em que ganhávamos distância do bendito Mateus, e o rio se alargava fui repensando e resolvi me dar uma chance de terminar o desafio.
Teve um momento engraçado e assustador, paramos eu , o Fábio e o Tarzan para nos localizar e ouvíamos uma espécie de assobio, fiquei curioso e logo o Tarzan tratou de matar minha curiosidade, era o ruído do contato da água com as pedras (leia-se redemoinho...), na mesma hora falei para eles: "Vamos logo sair daqui, pelo amor de Deus!"
Quero deixar claro, não subestimei em nenhum momento a força da natureza, só não podia imaginar que seria uma experiência tão assustadora, mesmo por que se tivesse imaginado não teria passado por aquele trecho nadando, meu desafio teria alguns metros a menos...
Acho que da minha parte, nunca serei pioneira numa saga desse porte. Não sei lidar com surpresas...
ResponderExcluirParabéns a todos por terem vencido essas etapas tão surpreendentes !