Quando era jovem (lá pelos meus 18 ou 20 anos) e participava de uma comunidade na igreja, o Padre Paulo comentou num sermão sobre o que ele chamou de oitavo sacramento. Tratava-se da ignorância.
Obviamente ele não estava pregando para que fôssemos ignorantes; ele apenas nos lembrava que, por vezes por nossa ignorância (não no sentido pejorativo da palavra, mas no sentido de desconhecimento de fatos) não poderíamos ser julgados como não cumpridores da palavra de Deus. Ele se referia aos indígenas, por exemplo, que pouco ou nada conheciam dos sete sacramentos e, por isso, não poderiam ser julgados por não respeitarem as leis da igreja.
No caso dos redemoinhos do Rio São Francisco, eu queria saber. Eu precisava conhecer. Minha ignorância me incomodava. Não iria sossegar enquanto não passasse a limpo esta dúvida: o redemoinho estaria mais forte ou mais fraco com o aumento do fluxo e do nível do rio?
Ainda na véspera de nossa largada, após um bom almoço e um breve intervalo de digestão, fui até a beira do rio e busquei nosso inigualável barqueiro de apoio de Piranhas - o Carlinhos, já mencionado em posts anteriores. Pedi-lhe que me acompanhasse com seu barco enquanto eu nadava os primeiros quilômetros de nossa travessia para testar o ambiente mais uma vez. Expliquei-lhe a minha preocupação e solicitei-lhe que ficasse atento aos acontecimentos.
Eu estava muito tranquilo e dono de mim. Estava em boa forma física e muito bem preparado - corpo e cabeça - para aquele projeto.
Vejam uma foto do ambiente na região de Caçamba, onde os redemoinhos são mais fracos:
As perturbações que se veem na superfície da água são um tanto traiçoeiras e assustam - mais do que representam um real perigo - aos nadadores. É importante estar preparado para não perder o controle ou entrar em desespero na hora.
Entrei sozinho para nadar na companhia de meu fiel escudeiro Carlinhos e lá fomos nós! Chegando próximo ao Caçamba (a primeira região de redemoinhos), ele me avisou:
- Começa por ali. Vai firme que eu estou por aqui.
Entrei nadando com vigor. São inúmeros redemoinhos que se formam, um ao lado do outro, que não permitem muita escolha de trajeto. Você sai de um e entra no outro. Isto acontece por dezenas de segundos - não chega a um minuto - até você conseguir sair da primeira região. Fiquei contente pelo que senti - a turbulência estava sensivelmente menor, sinal de que a hipótese 2 (maior o nível, menor o estrangulamento do rio e menores as turbulências) era mais apropriada.
Fomos até o Mateus (a segunda região de redemoinhos) e o mesmo se passou. Fiquei tranquilo. Agora eu já poderia voltar para o alojamento e compartilhar a experiência com meus companheiros de Travessia.
Mas voltando ao oitavo sacramento - o da ignorância - eu fiquei feliz em saber alguns dias APÓS nossa passagem pela região, que existe um cemitério logo ali, a jusante de Caçamba e Mateus do lado alagoano, para os incautos e inexperientes que se atreveram pela região sem o devido preparo.
É a Santa Ignorância, nos ajudando sempre!
Cinco destemidos nadadores encaram o desafio de nadar 170 km no Rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe. Sem se deixar esmorecer pelos fortes redemoinhos e pelas altas ondas provocadas pelo vento terral, eles têm boas histórias para contar. Em meio a um povo humilde e hospitaleiro, marcado por uma forte diferença social eles cumprem seu objetivo: evidenciar a necessidade de preservação do rio e de seu ecossistema. Embarque nesta aventura!
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