Segundo dia de nossa travessia. Estávamos em Pão de Açúcar e rumaríamos até a próxima cidade - Traipu.
Por volta das duas da manhã o
Foschini veio acordar a todos - ele era bom nisso, pois estava
acostumado a levantar muito cedo em sua casa - além de ter ido dormir mais cedo na noite anterior. Acordar naquela hora parecia absolutamente desumano para nós - o Fábio e eu - que havíamos dormido apenas quatro
horas. Chiamos um bocado até conseguirmos levantar.
O pessoal se encontrou na cozinha, onde
rapidamente tomamos um café da manhã - preparado por nossa anfitriã com
toda a boa vontade - e fomos carregar os carros que nos levariam até a
margem do rio. Tratava-se de equipamentos eletrônicos, o famigerado gelo - sim, ele chegou a tempo! - mantimentos básicos para as equipes de apoio - por terra e pela água - além da lancha dos Bombeiros e do jet-ski da Marinha, guardados longe de nossa pousada.
Pouco antes de nossa saída, o Foschini se aproximou dos demais nadadores e disse:
- Olha, o dia de hoje vai ser revezamento. A distância é muito grande e de outro jeito não vai dar.
Ele havia conversado com o pessoal da região na noite anterior que o havia desaconselhado a nadar todo o trajeto. Eles diziam que seria inimaginável que um ser humano nadasse tudo aquilo e a distância certamente era muito maior que os 57 km que eu afirmava separar as duas cidades.
Em minha modesta opinião, há certas pessoas em certos momentos que não devem ser ouvidas. Mas a distorção não está localizada unicamente naquele que fala. Se o ouvinte partilhar de convicções parecidas, ele absorve a mensagem em todos os seus detalhes e ainda a amplifica. É sábia a frase de Nietsche, que diz: "As convicções são maiores inimigas da verdade do que as mentiras."
Como eu já conhecia a tendência do Foschini de aumentar todas as distâncias nadadas, ele acreditou no dito cujo, que falava em mais de sessenta e tralalá quilômetros, e trouxe esta proposta - ao meu ver, indecente - para o grupo, que a rejeitou veementemente por unanimidade dos ouvintes. Nós estávamos ali para nadar - mesmo que falhássemos - mas queríamos nadar. Havíamos nos preparado arduamente para tal e não seria uma opinião pessoal - que, apesar bem intencionada, era imprecisa - que nos desviaria de nosso objetivo.
Na calçada do lado de fora da pousada, acheguei-me ao nosso colega bombeiro, com seu sofisticado GPS na mão e perguntei-lhe sobre a real distância até Traipu. Ele me respondeu em poucos instantes que a distância real não variava mais de cem ou duzentos metros de minha previsão inicial - mais uma confirmação de que havíamos planejado apropriadamente o trajeto. Era um problema a menos. Só nos restava o segundo "probleminha": nadar tudo aquilo, o que não deixava de ser uma tarefa hercúlea.
Chegamos à beira do rio às três e meia. A madrugada estava um tanto friazinha com a umidade do local e a ausência absoluta do rei sol. A iluminação era mantida apenas por uma lâmpada de um poste que insistia em apagar ciclicamente, deixando-nos no maior breu de quando em quando. O leito do rio estava imerso na mais profunda escuridão. Não se via luz à distância na margem sergipana, exceto por alguns pontos aqui e acolá.
Aguardávamos o barco de acompanhamento, cedido gentilmente pela prefeitura de Pão de Açúcar. Enquanto ele não aparecia, os Bombeiros e a Marinha chegaram ao local. Como não havia sinal de barco de apoio, nem os Bombeiros nem tampouco a Marinha se animaram em colocar seu barco e jet-ski na água.
Muitos questionamentos começaram a surgir. Uma tese dominante era a de que o barco poderia sair de outro ponto, mais apropriado para embarcações, que ficava cerca de quinhentos metros (ou mais) rio abaixo e que poderia estar nos esperando por lá. Já eram cinco horas da manhã, quando os Bombeiros rumaram para lá, rebocando seu barco - com o Foschini sentado no reboque - enquanto os demais nadadores pegaram uma carona na pickup da Marinha.
Começamos a ouvir o ruído de um motor de barco e a identificar luzes tênues à distância que indicavam que o barco estaria chegando no exato momento em que nos deslocávamos. Um apoio da prefeitura ficou para orientar o barco para nos pegar na outra prainha.
De lá partimos para a jornada natatória mais longa de minha vida. Tão longa que deixarei sua descrição em detalhes para minha próxima postagem.
Cinco destemidos nadadores encaram o desafio de nadar 170 km no Rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe. Sem se deixar esmorecer pelos fortes redemoinhos e pelas altas ondas provocadas pelo vento terral, eles têm boas histórias para contar. Em meio a um povo humilde e hospitaleiro, marcado por uma forte diferença social eles cumprem seu objetivo: evidenciar a necessidade de preservação do rio e de seu ecossistema. Embarque nesta aventura!
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