Segundo dia de nossa travessia. Estávamos em Pão de Açúcar e rumaríamos até a próxima cidade - Traipu.
Por volta das duas da manhã o
Foschini veio acordar a todos - ele era bom nisso, pois estava
acostumado a levantar muito cedo em sua casa - além de ter ido dormir mais cedo na noite anterior. Acordar naquela hora parecia absolutamente desumano para nós - o Fábio e eu - que havíamos dormido apenas quatro
horas. Chiamos um bocado até conseguirmos levantar.
O pessoal se encontrou na cozinha, onde
rapidamente tomamos um café da manhã - preparado por nossa anfitriã com
toda a boa vontade - e fomos carregar os carros que nos levariam até a
margem do rio. Tratava-se de equipamentos eletrônicos, o famigerado gelo - sim, ele chegou a tempo! - mantimentos básicos para as equipes de apoio - por terra e pela água - além da lancha dos Bombeiros e do jet-ski da Marinha, guardados longe de nossa pousada.
Pouco antes de nossa saída, o Foschini se aproximou dos demais nadadores e disse:
- Olha, o dia de hoje vai ser revezamento. A distância é muito grande e de outro jeito não vai dar.
Ele havia conversado com o pessoal da região na noite anterior que o havia desaconselhado a nadar todo o trajeto. Eles diziam que seria inimaginável que um ser humano nadasse tudo aquilo e a distância certamente era muito maior que os 57 km que eu afirmava separar as duas cidades.
Em minha modesta opinião, há certas pessoas em certos momentos que não devem ser ouvidas. Mas a distorção não está localizada unicamente naquele que fala. Se o ouvinte partilhar de convicções parecidas, ele absorve a mensagem em todos os seus detalhes e ainda a amplifica. É sábia a frase de Nietsche, que diz: "As convicções são maiores inimigas da verdade do que as mentiras."
Como eu já conhecia a tendência do Foschini de aumentar todas as distâncias nadadas, ele acreditou no dito cujo, que falava em mais de sessenta e tralalá quilômetros, e trouxe esta proposta - ao meu ver, indecente - para o grupo, que a rejeitou veementemente por unanimidade dos ouvintes. Nós estávamos ali para nadar - mesmo que falhássemos - mas queríamos nadar. Havíamos nos preparado arduamente para tal e não seria uma opinião pessoal - que, apesar bem intencionada, era imprecisa - que nos desviaria de nosso objetivo.
Na calçada do lado de fora da pousada, acheguei-me ao nosso colega bombeiro, com seu sofisticado GPS na mão e perguntei-lhe sobre a real distância até Traipu. Ele me respondeu em poucos instantes que a distância real não variava mais de cem ou duzentos metros de minha previsão inicial - mais uma confirmação de que havíamos planejado apropriadamente o trajeto. Era um problema a menos. Só nos restava o segundo "probleminha": nadar tudo aquilo, o que não deixava de ser uma tarefa hercúlea.
Chegamos à beira do rio às três e meia. A madrugada estava um tanto friazinha com a umidade do local e a ausência absoluta do rei sol. A iluminação era mantida apenas por uma lâmpada de um poste que insistia em apagar ciclicamente, deixando-nos no maior breu de quando em quando. O leito do rio estava imerso na mais profunda escuridão. Não se via luz à distância na margem sergipana, exceto por alguns pontos aqui e acolá.
Aguardávamos o barco de acompanhamento, cedido gentilmente pela prefeitura de Pão de Açúcar. Enquanto ele não aparecia, os Bombeiros e a Marinha chegaram ao local. Como não havia sinal de barco de apoio, nem os Bombeiros nem tampouco a Marinha se animaram em colocar seu barco e jet-ski na água.
Muitos questionamentos começaram a surgir. Uma tese dominante era a de que o barco poderia sair de outro ponto, mais apropriado para embarcações, que ficava cerca de quinhentos metros (ou mais) rio abaixo e que poderia estar nos esperando por lá. Já eram cinco horas da manhã, quando os Bombeiros rumaram para lá, rebocando seu barco - com o Foschini sentado no reboque - enquanto os demais nadadores pegaram uma carona na pickup da Marinha.
Começamos a ouvir o ruído de um motor de barco e a identificar luzes tênues à distância que indicavam que o barco estaria chegando no exato momento em que nos deslocávamos. Um apoio da prefeitura ficou para orientar o barco para nos pegar na outra prainha.
De lá partimos para a jornada natatória mais longa de minha vida. Tão longa que deixarei sua descrição em detalhes para minha próxima postagem.
Cinco destemidos nadadores encaram o desafio de nadar 170 km no Rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe. Sem se deixar esmorecer pelos fortes redemoinhos e pelas altas ondas provocadas pelo vento terral, eles têm boas histórias para contar. Em meio a um povo humilde e hospitaleiro, marcado por uma forte diferença social eles cumprem seu objetivo: evidenciar a necessidade de preservação do rio e de seu ecossistema. Embarque nesta aventura!
Total de visualizações de página
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
terça-feira, 30 de outubro de 2012
Cap.10 - A primeira noite, em Pão de Açúcar
Ao chegarmos em Pão de Açúcar, o pessoal que havia vindo por terra veio ajudar no transporte e guarda dos equipamentos. Estamos falando aqui dos Bombeiros e do pessoal da Marinha.
Os primeiros estavam divididos em dois grupos: um nos acompanhava em água e outro seguia de caminhonete por terra para, no final do dia, tirar o barco da água, colocá-lo na carreta e guardá-lo.
Já a Marinha entrava de Jet Ski na água conosco, nos acompanhava pelos primeiros quilômetros e depois voltava à origem, tirava o jet-ski da água, colocava-o na carreta e ia de caminhonete até a próxima cidade. Pouco antes de chegarmos, eles entravam na água novamente e nos acompanhavam nos minutos finais de cada etapa. Eles não estavam equipados para nos acompanhar durante todo o trajeto - o jet-ski não tinha a autonomia necessária - e a proteção fornecida pelos bomeiros já seria o suficiente.
A presença de ambas as entidades agregou uma visão diferenciada no decorrer da prova e nos assegurou um ambiente livre de imprevistos - mesmo que, para tal, eles tivessem que oferecer uma visão diferente daquela dos nadadores, sempre buscando garantir a nossa segurança.
Antes de nos retiramos das margens do rio - permanecemos ali um longo tempo até a chegada dos demais nadadores (cerca de 20 a 30 minutos) e até os equipamentos serem retirados d'água - testemunhei o Foschini fazendo os últimos arranjos com o pessoal da prefeitura para que o barco da cidade - que nos acompanharia no segundo dia - estivesse ali, naquele ponto, às cinco da manhã. De lá fomos transferidos em carros dos locais para uma pousada na cidade. Confesso que não me recordo o nome da pousada, nem de sua egrégia proprietária (vou chamá-la aqui de sra. X), que tão bem nos recebeu - festiva, alegre, contadora de piadas e um tanto "demasiadamente espontânea" em suas palavras também.
Eu fiquei num quarto logo na entrada do hotel, junto com o Fabio. O Foschini e o Alessandro subiram para o primeiro andar e lá se alojaram. No meio do caminho havia a cozinha, onde trabalhava com afinco a sra. X. Afinal, naquela noite, ela tinha que alimentar cerca de doze pessoas - onde algumas ali comiam bem.
Eu não sei como o Foschini é magro daquele jeito. Vocês têm que ver como aquele ser humano come! Acho que é por isso que a (Santa) Mara cozinha tão bem - ou seria o contrário? Não sei dizer ao certo.
Na verdade, nenhum dos nadadores ali comia pouco. Já os bombeiros e os oficiais da Marinha pareciam absolutamente normais, para sorte da Sra. X.
Assim, jantamos tão logo a comida ficou pronta. Precisávamos dormir logo para o dia seguinte, que seria o mais difícil de todos. Na cozinha não havia lugar para todos sentarem. A Sra. X pôs as panelas, pratos e talheres na mesa e se retirou. Eu tentei sentar-me junto à mesa e, ao puxar a cadeira, seu assento caiu no chão - estava desparafusado - e as baratinhas que se escondiam em sua estrutura tubular deram o ar da graça e fugiram para debaixo da pia.
Enquanto todos comiam eu tentava persegui-las movendo os objetos sob a pia, somente para perceber que eu havia desalojado outras baratinhas de suas casas. Uma delas estava agora sobre a pia, outras sob a mesa e sob a pia também. Desisti. O melhor a fazer era comer (aaargh!) e logo sair dali.
Naquela hora eu lembrei do Niltão e pensei:
- Esse cara se livrou de uma boa aqui. Imagine se ele vem e trás a (santa) esposa junto - nossa, que tragédia teria sido!
Antes de subir para dormir, o Foschini, que havia se aconselhado com o então secretário de Traipu (a próxima cidade vizinha), resolveu mudar os planos e comunicou:
- Amanhã temos que sair às três e meia da manhã ou não vamos conseguir chegar em Traipu (a terceira cidade em nosso trajeto).
Nós, nadadores, ouvimos com muito pesar aquela notícia pois ela implicava em levantarmos às duas ou duas e meia da manhã e também teríamos de nos preparar para o nado noturno. Nadar à noite implica em preparar os sinalizadores químicos luminosos para que possamos prendê-los na touca/ nos óculos de natação para sermos rastreados com facilidade na escuridão.
Percebemos que nossos amigos Bombeiros e Marinha ouviram e não discutiram, mas acharam o horário de saída muito pouco apropriado, com certeza.
O Foschini e o Alessandro simplesmente sumiram de vista e foram dormir. Ficamos eu e o Fabio preparando a alimentação do dia seguinte. Aquilo dava um trabalho danado. Eu preparava maltodextrina em dois ou três sabores diferentes, acondicionava em garrafas e colocava no isopor/ mala térmica que, pela manhã, iria receber o gelo. Já o Fabio tinha umas duzentas fórmulas diferentes que sua nutricionista lhe recomendara e que tinham de ser preparadas na noite anterior. Aquilo nos consumia mais de hora para ficar pronto. Pelo menos as baratas deram um tempo naquela hora!
Foi quando chegou o representante da prefeitura e nos chamou para uma homenagem na pracinha da cidade. Afinal, aquele ainda era o dia de São Francisco e a cidade iria aproveitar de nossa passagem para fazer um evento na pracinha central da cidade, chamar a população e prestar uma homenagem aos nadadores.
Uma homenagem naquele momento representava algumas horas a menos de sono. O que fazer?
O Foschini era o contato oficial com as prefeituras - afinal, ele era da região e havia contatado o pessoal da cidade pessoalmente. Fui chamá-lo para comparecer - ele nem mesmo se dignou a levantar da cama - disse que não podia ir, pois tinha que dormir.
Eu fiquei muito sem jeito de dizer não àquela população que nos acolheu - e resolvi ir até lá junto com o Fabio e o Tarzan do Cangaço. Os demais ficaram dormindo.
De fato, no coreto da pracinha ouvimos os discursos das autoridades presentes, foi-me dada a oportunidade de falar algumas breves palavras - o que fiz com muita comedição. Também nos foram oferecidas duas lembranças da cidade: uma pequena estátua de gesso com o símbolo da cidade - o Cristo Redentor sobre o Pão de Açúcar (mostrado no post anterior) - e uma pequena escultura em madeira, representando uma canoa chamada de Igaci que, pelo que nos contou o prefeito, era responsável por várias vitórias em competições locais.
Saindo de lá, esperávamos ir dormir logo que possível. Mas, como em toda história tem sempre um "mas", o prefeito da cidade - muito simpático e prestativo conosco - insistiu em seu discurso que fôssemos visitar o museu da cidade, organizado pelo nosso já amigo e secretário de Traipu. Novamente fiquei sem jeito de dizer não e, desta vez sozinho, fui acompanhar meu anfitrião Jackson (simpaticíssimo por sinal - vejam na foto abaixo) até seu museu, onde ele me contou várias histórias da região.
Após essa breve visita, voltei ao hotel e lá encontrei o Fabio ainda preparando sua alimentação. Eu ainda tinha que encontrar uma maneira de manter o nadador sinalizado no escuro - isto é, com o sinalizador luminoso próximo à cabeça e bem visível. Para mim, a segurança vem em primeiro lugar. Eu pensei em usar alguns amarrilhos para amarrá-los, mas descobri que aquela região é tão desprovida dessas modernidades que eles desconheciam completamente o que era um amarrilho.
Então eu pedi um pão de forma - dali eu tiraria o amarrilho - e recebi a resposta:
- Aqui não tem isso não.
O que fazer? Como prender os sinalizadores? Imaginei usar um barbante, mas a dona da pensão não tinha. Perdi mais de hora para conseguir improvisar com um pedaço pequeno de arame que eu dispunha para os cinco sinalizadores que iríamos usar. Meu objetivo era acabar logo aquilo e, antes de ser comido pelas baratas, voltar ao meu quarto para poder dormir - o mais importante naquela hora, pois o desafio no dia seguinte era de 57 km, o mais pesado de toda a nossa empreitada.
Mas aquilo não era tudo. Eu ainda tinha que carregar as baterias dos comunicadores, da lanterna e tentar uma comunicação via internet - em vão, pois não havia sinal por ali.
Eu dormi apenas quatro horas, graças a essas atividades extras - as homenagens, a visita ao museu, a preparação da malto e dos sinalizadores, etc. O Fabio não foi muito diferente. Já o Foschini e o Alessandro, que se trancaram em seus quartos logo na chegada, tiveram algumas horas a mais para dormir.
O dia seguinte prometia fortes emoções...
Os primeiros estavam divididos em dois grupos: um nos acompanhava em água e outro seguia de caminhonete por terra para, no final do dia, tirar o barco da água, colocá-lo na carreta e guardá-lo.
Nossos incansáveis - mas já cansados - amigos Bombeiros:
indispensáveis para o sucesso de nosso projeto.
indispensáveis para o sucesso de nosso projeto.
Já a Marinha entrava de Jet Ski na água conosco, nos acompanhava pelos primeiros quilômetros e depois voltava à origem, tirava o jet-ski da água, colocava-o na carreta e ia de caminhonete até a próxima cidade. Pouco antes de chegarmos, eles entravam na água novamente e nos acompanhavam nos minutos finais de cada etapa. Eles não estavam equipados para nos acompanhar durante todo o trajeto - o jet-ski não tinha a autonomia necessária - e a proteção fornecida pelos bomeiros já seria o suficiente.
Nossos amigos da Marinha contribuíram - e muito - para o nosso sucesso!
A presença de ambas as entidades agregou uma visão diferenciada no decorrer da prova e nos assegurou um ambiente livre de imprevistos - mesmo que, para tal, eles tivessem que oferecer uma visão diferente daquela dos nadadores, sempre buscando garantir a nossa segurança.
Antes de nos retiramos das margens do rio - permanecemos ali um longo tempo até a chegada dos demais nadadores (cerca de 20 a 30 minutos) e até os equipamentos serem retirados d'água - testemunhei o Foschini fazendo os últimos arranjos com o pessoal da prefeitura para que o barco da cidade - que nos acompanharia no segundo dia - estivesse ali, naquele ponto, às cinco da manhã. De lá fomos transferidos em carros dos locais para uma pousada na cidade. Confesso que não me recordo o nome da pousada, nem de sua egrégia proprietária (vou chamá-la aqui de sra. X), que tão bem nos recebeu - festiva, alegre, contadora de piadas e um tanto "demasiadamente espontânea" em suas palavras também.
Eu fiquei num quarto logo na entrada do hotel, junto com o Fabio. O Foschini e o Alessandro subiram para o primeiro andar e lá se alojaram. No meio do caminho havia a cozinha, onde trabalhava com afinco a sra. X. Afinal, naquela noite, ela tinha que alimentar cerca de doze pessoas - onde algumas ali comiam bem.
Eu não sei como o Foschini é magro daquele jeito. Vocês têm que ver como aquele ser humano come! Acho que é por isso que a (Santa) Mara cozinha tão bem - ou seria o contrário? Não sei dizer ao certo.
Na verdade, nenhum dos nadadores ali comia pouco. Já os bombeiros e os oficiais da Marinha pareciam absolutamente normais, para sorte da Sra. X.
Assim, jantamos tão logo a comida ficou pronta. Precisávamos dormir logo para o dia seguinte, que seria o mais difícil de todos. Na cozinha não havia lugar para todos sentarem. A Sra. X pôs as panelas, pratos e talheres na mesa e se retirou. Eu tentei sentar-me junto à mesa e, ao puxar a cadeira, seu assento caiu no chão - estava desparafusado - e as baratinhas que se escondiam em sua estrutura tubular deram o ar da graça e fugiram para debaixo da pia.
Enquanto todos comiam eu tentava persegui-las movendo os objetos sob a pia, somente para perceber que eu havia desalojado outras baratinhas de suas casas. Uma delas estava agora sobre a pia, outras sob a mesa e sob a pia também. Desisti. O melhor a fazer era comer (aaargh!) e logo sair dali.
Naquela hora eu lembrei do Niltão e pensei:
- Esse cara se livrou de uma boa aqui. Imagine se ele vem e trás a (santa) esposa junto - nossa, que tragédia teria sido!
Antes de subir para dormir, o Foschini, que havia se aconselhado com o então secretário de Traipu (a próxima cidade vizinha), resolveu mudar os planos e comunicou:
- Amanhã temos que sair às três e meia da manhã ou não vamos conseguir chegar em Traipu (a terceira cidade em nosso trajeto).
Nós, nadadores, ouvimos com muito pesar aquela notícia pois ela implicava em levantarmos às duas ou duas e meia da manhã e também teríamos de nos preparar para o nado noturno. Nadar à noite implica em preparar os sinalizadores químicos luminosos para que possamos prendê-los na touca/ nos óculos de natação para sermos rastreados com facilidade na escuridão.
Percebemos que nossos amigos Bombeiros e Marinha ouviram e não discutiram, mas acharam o horário de saída muito pouco apropriado, com certeza.
O Foschini e o Alessandro simplesmente sumiram de vista e foram dormir. Ficamos eu e o Fabio preparando a alimentação do dia seguinte. Aquilo dava um trabalho danado. Eu preparava maltodextrina em dois ou três sabores diferentes, acondicionava em garrafas e colocava no isopor/ mala térmica que, pela manhã, iria receber o gelo. Já o Fabio tinha umas duzentas fórmulas diferentes que sua nutricionista lhe recomendara e que tinham de ser preparadas na noite anterior. Aquilo nos consumia mais de hora para ficar pronto. Pelo menos as baratas deram um tempo naquela hora!
Foi quando chegou o representante da prefeitura e nos chamou para uma homenagem na pracinha da cidade. Afinal, aquele ainda era o dia de São Francisco e a cidade iria aproveitar de nossa passagem para fazer um evento na pracinha central da cidade, chamar a população e prestar uma homenagem aos nadadores.
Uma homenagem naquele momento representava algumas horas a menos de sono. O que fazer?
O Foschini era o contato oficial com as prefeituras - afinal, ele era da região e havia contatado o pessoal da cidade pessoalmente. Fui chamá-lo para comparecer - ele nem mesmo se dignou a levantar da cama - disse que não podia ir, pois tinha que dormir.
Eu fiquei muito sem jeito de dizer não àquela população que nos acolheu - e resolvi ir até lá junto com o Fabio e o Tarzan do Cangaço. Os demais ficaram dormindo.
De fato, no coreto da pracinha ouvimos os discursos das autoridades presentes, foi-me dada a oportunidade de falar algumas breves palavras - o que fiz com muita comedição. Também nos foram oferecidas duas lembranças da cidade: uma pequena estátua de gesso com o símbolo da cidade - o Cristo Redentor sobre o Pão de Açúcar (mostrado no post anterior) - e uma pequena escultura em madeira, representando uma canoa chamada de Igaci que, pelo que nos contou o prefeito, era responsável por várias vitórias em competições locais.
Saindo de lá, esperávamos ir dormir logo que possível. Mas, como em toda história tem sempre um "mas", o prefeito da cidade - muito simpático e prestativo conosco - insistiu em seu discurso que fôssemos visitar o museu da cidade, organizado pelo nosso já amigo e secretário de Traipu. Novamente fiquei sem jeito de dizer não e, desta vez sozinho, fui acompanhar meu anfitrião Jackson (simpaticíssimo por sinal - vejam na foto abaixo) até seu museu, onde ele me contou várias histórias da região.
O Jackson, muito gentil, me apresentou o museu da cidade em Pão de Açúcar
Após essa breve visita, voltei ao hotel e lá encontrei o Fabio ainda preparando sua alimentação. Eu ainda tinha que encontrar uma maneira de manter o nadador sinalizado no escuro - isto é, com o sinalizador luminoso próximo à cabeça e bem visível. Para mim, a segurança vem em primeiro lugar. Eu pensei em usar alguns amarrilhos para amarrá-los, mas descobri que aquela região é tão desprovida dessas modernidades que eles desconheciam completamente o que era um amarrilho.
Então eu pedi um pão de forma - dali eu tiraria o amarrilho - e recebi a resposta:
- Aqui não tem isso não.
O que fazer? Como prender os sinalizadores? Imaginei usar um barbante, mas a dona da pensão não tinha. Perdi mais de hora para conseguir improvisar com um pedaço pequeno de arame que eu dispunha para os cinco sinalizadores que iríamos usar. Meu objetivo era acabar logo aquilo e, antes de ser comido pelas baratas, voltar ao meu quarto para poder dormir - o mais importante naquela hora, pois o desafio no dia seguinte era de 57 km, o mais pesado de toda a nossa empreitada.
Mas aquilo não era tudo. Eu ainda tinha que carregar as baterias dos comunicadores, da lanterna e tentar uma comunicação via internet - em vão, pois não havia sinal por ali.
Eu dormi apenas quatro horas, graças a essas atividades extras - as homenagens, a visita ao museu, a preparação da malto e dos sinalizadores, etc. O Fabio não foi muito diferente. Já o Foschini e o Alessandro, que se trancaram em seus quartos logo na chegada, tiveram algumas horas a mais para dormir.
O dia seguinte prometia fortes emoções...
domingo, 28 de outubro de 2012
Cap.9 - A travessia "on the rocks"
Tanto no dia de nossa largada de Piranhas como no segundo dia de nossa travessia, saindo de Pão de Açúcar, conseguimos receber alguns pacotes de gelo das prefeituras locais para manutenção de nossa alimentação numa temperatura agradável no meio daquele calor infernal. Mas obtê-lo demandava um esforço de convencimento nada desprezível junto às prefeituras. Voltamos à questão do MODELO de organização, que já foi tratado anteriormente e dispensa maiores comentários.
O gelo havia sido motivo de discussão forte como item de planejamento de nossos suprimentos e não houve maneira de chegarmos ao consenso. Quando eu perguntava pro Foschini se as prefeituras aceitariam nos fornecer gelo, ele respondia o seu famoso:
- Na hora a gente vê.
Talvez eu estivesse preocupado demais com o fato, mas sem gelo, o sucesso desta travessia poderia ser seriamente comprometido, por impossibilitar a ingestão de malto numa temperatura adequada. Num sentido ele tinha razão: algumas das cidades no trajeto dependiam da pesca - logo, havia gelo em abundância. Meu pensamento era um pouco diferente: será que aquele gelo abundante estaria disponível para nossas largadas NA HORA CERTA? O plano era largar de Pão de Açúcar às três e meia da manhã - ele estaria lá?
As correntes de pensamento eram duas:
Eu nado provas longas sempre com o apoio de matodextrina - acondicionada em baixa temperatura, para que fique mais agradável de beber. Fui orientado assim por meu nutricionista quando de minha travessia do Canal da Mancha e entendo que trata-se do melhor e mais adequado complemento alimentar (não é o único, obviamente) para provas longas (acredito que não somente eu, mas todo o mundo esportivo de alta performance pensa desta maneira). Pode ser acompanhada por outros quitutes, mas com moderação. O Fábio recebera recomendações similares de sua nutricionista - a base da alimentação também seria a maltodextrina - e incluía requintes de sofisticação no preparo, adicionando complementos diversos e bem planejados às suas garrafinhas. Ele seguia à risca todas as recomendações e gastava um bom tempo em seu preparo - normalmente junto comigo durante a noite. O Alessandro seguia basicamente a mesma linha da malto, sem muita sofisticação.
Já o Foschini tinha sua opinião a respeito da malto. Lembro-me de sua mensagem de otimismo num email endereçado a mim dias antes de nossa prova:
- Espero que essa porra de maltodextrina embrulhe direitinho o seu estômago. Aquilo é uma gororoba... (vou parar os elogios por aqui).
Sua linha de alimentação baseava-se em suspiros feitos pela (Santa) Mara, pêssegos em calda, alguns doces ou biscoitos diversos e, muito ocasionalmente aqui ou acolá - um pouco de malto. Logo, para ele não havia tanta necessidade de gelo.
Um nadador mal alimentado pode incorrer em uma de três situações, quando submetido a esforços prolongados como seria o nosso caso: 1- ele perde força e seu estilo não rende ou 2- ele começa a sentir muito frio devido ao fato de seu corpo não gerar calor suficiente a ponto de sair da água ou 3- ambas as descrições anteriores. Some-se a isso o fato de não conseguirmos dormir o suficiente e a confusão está armada.
Em cada pernoite nas cidades, minha preocupação com a disponibilidade do gelo era constante. Tivemos o gelo que precisávamos em 3 das 4 cidades de pernoite. A cidade que não conseguiu a quantidade solicitada nos arrumou uns punhados de última hora que foram minimamente suficientes para aquele dia - por sorte, o menor trajeto dos quatro dias.
Paradoxalmente, posso afirmar: "Dado o calor reinante na região, sem gelo, aquilo seria uma fria..."
O gelo havia sido motivo de discussão forte como item de planejamento de nossos suprimentos e não houve maneira de chegarmos ao consenso. Quando eu perguntava pro Foschini se as prefeituras aceitariam nos fornecer gelo, ele respondia o seu famoso:
- Na hora a gente vê.
Talvez eu estivesse preocupado demais com o fato, mas sem gelo, o sucesso desta travessia poderia ser seriamente comprometido, por impossibilitar a ingestão de malto numa temperatura adequada. Num sentido ele tinha razão: algumas das cidades no trajeto dependiam da pesca - logo, havia gelo em abundância. Meu pensamento era um pouco diferente: será que aquele gelo abundante estaria disponível para nossas largadas NA HORA CERTA? O plano era largar de Pão de Açúcar às três e meia da manhã - ele estaria lá?
As correntes de pensamento eram duas:
Eu nado provas longas sempre com o apoio de matodextrina - acondicionada em baixa temperatura, para que fique mais agradável de beber. Fui orientado assim por meu nutricionista quando de minha travessia do Canal da Mancha e entendo que trata-se do melhor e mais adequado complemento alimentar (não é o único, obviamente) para provas longas (acredito que não somente eu, mas todo o mundo esportivo de alta performance pensa desta maneira). Pode ser acompanhada por outros quitutes, mas com moderação. O Fábio recebera recomendações similares de sua nutricionista - a base da alimentação também seria a maltodextrina - e incluía requintes de sofisticação no preparo, adicionando complementos diversos e bem planejados às suas garrafinhas. Ele seguia à risca todas as recomendações e gastava um bom tempo em seu preparo - normalmente junto comigo durante a noite. O Alessandro seguia basicamente a mesma linha da malto, sem muita sofisticação.
Já o Foschini tinha sua opinião a respeito da malto. Lembro-me de sua mensagem de otimismo num email endereçado a mim dias antes de nossa prova:
- Espero que essa porra de maltodextrina embrulhe direitinho o seu estômago. Aquilo é uma gororoba... (vou parar os elogios por aqui).
Sua linha de alimentação baseava-se em suspiros feitos pela (Santa) Mara, pêssegos em calda, alguns doces ou biscoitos diversos e, muito ocasionalmente aqui ou acolá - um pouco de malto. Logo, para ele não havia tanta necessidade de gelo.
Um nadador mal alimentado pode incorrer em uma de três situações, quando submetido a esforços prolongados como seria o nosso caso: 1- ele perde força e seu estilo não rende ou 2- ele começa a sentir muito frio devido ao fato de seu corpo não gerar calor suficiente a ponto de sair da água ou 3- ambas as descrições anteriores. Some-se a isso o fato de não conseguirmos dormir o suficiente e a confusão está armada.
Em cada pernoite nas cidades, minha preocupação com a disponibilidade do gelo era constante. Tivemos o gelo que precisávamos em 3 das 4 cidades de pernoite. A cidade que não conseguiu a quantidade solicitada nos arrumou uns punhados de última hora que foram minimamente suficientes para aquele dia - por sorte, o menor trajeto dos quatro dias.
Paradoxalmente, posso afirmar: "Dado o calor reinante na região, sem gelo, aquilo seria uma fria..."
sábado, 27 de outubro de 2012
Cap.8 - Um primeiro dia de fortes emoções
Logo após a largada, já estávamos esperando encontrar as regiões mais turbulentas do rio.
Em poucos minutos, chegamos a Caçamba. Eu estava ligeiramente à frente do grupo e fui o primeiro a entrar e sair da primeira leva de redemoinhos.
Nadei forte, bati muita perna e não deixei os pés afundarem, quando puxados para baixo. É uma sensação forte e desagradável saber que há algo ali embaixo da água que conspira contra você. Trata-se de um inimigo invisível, com força nada desprezível, em direção ao qual você se dirige, sem poder evitá-lo. Mas felizmente a forte emoção se vai rapidamente ao passar pela turbulenta região com a ajuda da correnteza.
Não parei de nadar, apenas reduzi o ritmo. O pior ainda estava por vir - a segunda região, chamada de Mateus - apresenta redemoinhos mais fortes e eu tinha que estar preparado. Os barcos ficaram um pouco para trás para acompanhar os demais nadadores.
De vez em quando eu olhava para trás para tentar identificar como estavam meus companheiros, mas percebi que estavam no meio de suas batalhas.
Como disse o Alessandro, ao final do dia:
- Deus me livre! Se eu tivesse passado uma primeira vez ali para conhecer a região eu não teria voltado nunca mais. É a mesma coisa que nadar dentro de um liquidificador!
A região do Mateus estava se aproximando. O barco dos bombeiros ficou pra trás para ajudar meus colegas, o Carlinhos se aproximou de mim antes de eu entrar no Mateus. Conforme previsto, ali a briga foi mais feia e cansativa, mas consegui passar e parei de nadar logo em seguida, para esperar meus companheiros. Mesmo sem nadar, aquela região, que é rica em corredeiras, lhe propicia uma velocidade de deslocamento bastante agradável.
O pessoal não chegava e comecei a estranhar. Afinal, eu não estava nadando forte neste início de prova - havíamos combinado dessa maneira - somente nos desgarraríamos após estarmos seguros de que todos haviam passado bem por ali. Depois de alguns minutos, o Carlinhos voltou e me contou o que havia acontecido: as dificuldades não foram poucas naquele trecho. O próprio Foschini - nadador experiente como é - ficou circulando num redemoinho que deixou os bombeiros em estado de alerta. Estes me contaram mais tarde que estavam a ponto de pular na água para retirá-lo dali, mas no final o nadador conseguiu se desvencilhar e seguir em frente.
Passado o susto inicial, seguimos nadando. Eu estava um pouco à frente, esperando que o Foschini se juntasse a mim - assim havíamos combinado. Mas, por razões que desconhecia no momento, ele resolveu ficar nadando no grupo de trás por um bom tempo, diferente do combinado entre nós.
Com a ajuda da correnteza, nadei cerca de 8 km na primeira hora. Este resultado era incrível - quase duas vezes minha melhor marca em piscina! Se conseguíssemos manter esse ritmo, terminaríamos o primeiro dia em menos de seis horas, o que, obviamente, era um sonho impossível.
Mas cabeça de engenheiro gosta de fazer contas - isso é inevitável!
O tempo foi passando e a correnteza foi se reduzindo. O rio aos poucos começava a ganhar largura e, assim, a vazão era diluída e passava a nos empurrar cada vez menos. Aos poucos percebia que o Foschini e eu nos alternávamos na ponta da prova. Não havia competição ali - cada um tinha o seu ritmo de prova e isso gerou algumas das diferenças de desempenho - nada além disso.
No meio do caminho ainda passávamos por várias regiões onde se sentiam turbulências parecidas com os redemoinhos recém-vencidos. Eram de menor intensidade, mas como dito pelo Alessandro:
- Cada vez que eu passava por elas, eu tremia todo só de lembrar daquilo. Era muito ruim!
Depois de uns quinze ou vinte quilômetros, travamos contato com aqueles que seriam nossos maiores inimigos em nossa empreitada: os maretões.
Maretões são ondas formadas pelo vento, que sopra sempre do mar para o interior - isto é, sempre contrárias ao nadador - que começam como uma leve tremulação da superfície da água e terminam como ondas de mais de meio metro de altura, que atrapalham - e bastante - os nadadores. Nadar contra ondas desequilibra o nadador e exige do mesmo esforços grandes em suas articulações - em especial dos ombros - o que pode comprometer o sucesso de nosso projeto. Afinal, eu treinei sem vento e sem marolas e agora a realidade era outra. Seria possível completar naquelas condições?
Eu apanhei bastante daquelas ondas. Na verdade, eu era péssimo para nadar em condições assim adversas - já havia tentado aprender antes e não me dava bem. Somente consegui me superar nesta técnica no terceiro dia, como explicarei mais adiante.
Este trecho final foi bastante demandante e cansativo. Cerca de metade dos 45 km foram sob os efeitos dos maretões. Não foi fácil. As ondas nos impediam de ver os colegas na água e isso ajudou a nos distanciar no rio. O Carlinhos ficava um pouco comigo e um pouco com o Foschini. Os bombeiros ficaram o tempo todo com os demais.
Após 6 horas e quarenta minutos, chegamos à cidade de Pão de Açúcar. A cidade leva esse nome por que tem um morro à beira do rio de forma levemente arredondada, que relembra (muito remotamente) o seu irmão carioca de mesmo nome. Para economizar, o pessoal dali resolveu colocar uma estátua do Cristo Redentor (bem menor em tamanho) em cima do Pão de Açúcar mesmo - afinal, eles não tinham um corcovado sobrando na região...
A chegada foi algo quase como um filme de terror. Já cansado, eu buscava me aproximar da margem, onde o barco atracara. No leito do rio, que ali era bem mais raso, se apresentavam algumas formas vegetais muito estranhas em forma e, principalmente em textura. Eram espécies de algas, típicas da região, que se formavam no fundo do rio, cresciam e algumas estouravam, liberando ramificações que insistiam em roçá-lo, gerando uma sensação muito desagradável. Elas ficavam praticamente imóveis, dando a impressão de serem rígidas e firmes, mas eram moles como folhas. Eu não ousava tocá-las, por serem demais repugnantes, mas quanto mais me aproximava da margem, mais elas se adensavam e não me davam espaço para minhas braçadas.
À beira do rio, um representante da prefeitura nos recebeu e uma dúzia de moleques fugidos da escola apareceram para saber o que estava acontecendo. Dali iríamos para a pousada, para descansar. Esperamos a chegada de todos, nos despedimos do Carlinhos com muito pesar, pois ele conhecia muito bem o rio e não nos acompanharia mais daquele ponto em diante. Ele aproveitou a claridade do dia e subiu ligeiro em sua voadeira de volta para Piranhas para dar as boas novas na cidade:
- Eles conseguiram vencer a primeira etapa - todos eles, incluindo ali o Tarzan do Cangaço.
Novas emoções ainda estavam por vir naquela noite!
Em poucos minutos, chegamos a Caçamba. Eu estava ligeiramente à frente do grupo e fui o primeiro a entrar e sair da primeira leva de redemoinhos.
Nadei forte, bati muita perna e não deixei os pés afundarem, quando puxados para baixo. É uma sensação forte e desagradável saber que há algo ali embaixo da água que conspira contra você. Trata-se de um inimigo invisível, com força nada desprezível, em direção ao qual você se dirige, sem poder evitá-lo. Mas felizmente a forte emoção se vai rapidamente ao passar pela turbulenta região com a ajuda da correnteza.
Não parei de nadar, apenas reduzi o ritmo. O pior ainda estava por vir - a segunda região, chamada de Mateus - apresenta redemoinhos mais fortes e eu tinha que estar preparado. Os barcos ficaram um pouco para trás para acompanhar os demais nadadores.
De vez em quando eu olhava para trás para tentar identificar como estavam meus companheiros, mas percebi que estavam no meio de suas batalhas.
Como disse o Alessandro, ao final do dia:
- Deus me livre! Se eu tivesse passado uma primeira vez ali para conhecer a região eu não teria voltado nunca mais. É a mesma coisa que nadar dentro de um liquidificador!
A região do Mateus estava se aproximando. O barco dos bombeiros ficou pra trás para ajudar meus colegas, o Carlinhos se aproximou de mim antes de eu entrar no Mateus. Conforme previsto, ali a briga foi mais feia e cansativa, mas consegui passar e parei de nadar logo em seguida, para esperar meus companheiros. Mesmo sem nadar, aquela região, que é rica em corredeiras, lhe propicia uma velocidade de deslocamento bastante agradável.
O pessoal não chegava e comecei a estranhar. Afinal, eu não estava nadando forte neste início de prova - havíamos combinado dessa maneira - somente nos desgarraríamos após estarmos seguros de que todos haviam passado bem por ali. Depois de alguns minutos, o Carlinhos voltou e me contou o que havia acontecido: as dificuldades não foram poucas naquele trecho. O próprio Foschini - nadador experiente como é - ficou circulando num redemoinho que deixou os bombeiros em estado de alerta. Estes me contaram mais tarde que estavam a ponto de pular na água para retirá-lo dali, mas no final o nadador conseguiu se desvencilhar e seguir em frente.
Passado o susto inicial, seguimos nadando. Eu estava um pouco à frente, esperando que o Foschini se juntasse a mim - assim havíamos combinado. Mas, por razões que desconhecia no momento, ele resolveu ficar nadando no grupo de trás por um bom tempo, diferente do combinado entre nós.
Com a ajuda da correnteza, nadei cerca de 8 km na primeira hora. Este resultado era incrível - quase duas vezes minha melhor marca em piscina! Se conseguíssemos manter esse ritmo, terminaríamos o primeiro dia em menos de seis horas, o que, obviamente, era um sonho impossível.
Mas cabeça de engenheiro gosta de fazer contas - isso é inevitável!
O tempo foi passando e a correnteza foi se reduzindo. O rio aos poucos começava a ganhar largura e, assim, a vazão era diluída e passava a nos empurrar cada vez menos. Aos poucos percebia que o Foschini e eu nos alternávamos na ponta da prova. Não havia competição ali - cada um tinha o seu ritmo de prova e isso gerou algumas das diferenças de desempenho - nada além disso.
No meio do caminho ainda passávamos por várias regiões onde se sentiam turbulências parecidas com os redemoinhos recém-vencidos. Eram de menor intensidade, mas como dito pelo Alessandro:
- Cada vez que eu passava por elas, eu tremia todo só de lembrar daquilo. Era muito ruim!
Depois de uns quinze ou vinte quilômetros, travamos contato com aqueles que seriam nossos maiores inimigos em nossa empreitada: os maretões.
Maretões são ondas formadas pelo vento, que sopra sempre do mar para o interior - isto é, sempre contrárias ao nadador - que começam como uma leve tremulação da superfície da água e terminam como ondas de mais de meio metro de altura, que atrapalham - e bastante - os nadadores. Nadar contra ondas desequilibra o nadador e exige do mesmo esforços grandes em suas articulações - em especial dos ombros - o que pode comprometer o sucesso de nosso projeto. Afinal, eu treinei sem vento e sem marolas e agora a realidade era outra. Seria possível completar naquelas condições?
Eu apanhei bastante daquelas ondas. Na verdade, eu era péssimo para nadar em condições assim adversas - já havia tentado aprender antes e não me dava bem. Somente consegui me superar nesta técnica no terceiro dia, como explicarei mais adiante.
Este trecho final foi bastante demandante e cansativo. Cerca de metade dos 45 km foram sob os efeitos dos maretões. Não foi fácil. As ondas nos impediam de ver os colegas na água e isso ajudou a nos distanciar no rio. O Carlinhos ficava um pouco comigo e um pouco com o Foschini. Os bombeiros ficaram o tempo todo com os demais.
Após 6 horas e quarenta minutos, chegamos à cidade de Pão de Açúcar. A cidade leva esse nome por que tem um morro à beira do rio de forma levemente arredondada, que relembra (muito remotamente) o seu irmão carioca de mesmo nome. Para economizar, o pessoal dali resolveu colocar uma estátua do Cristo Redentor (bem menor em tamanho) em cima do Pão de Açúcar mesmo - afinal, eles não tinham um corcovado sobrando na região...
A chegada foi algo quase como um filme de terror. Já cansado, eu buscava me aproximar da margem, onde o barco atracara. No leito do rio, que ali era bem mais raso, se apresentavam algumas formas vegetais muito estranhas em forma e, principalmente em textura. Eram espécies de algas, típicas da região, que se formavam no fundo do rio, cresciam e algumas estouravam, liberando ramificações que insistiam em roçá-lo, gerando uma sensação muito desagradável. Elas ficavam praticamente imóveis, dando a impressão de serem rígidas e firmes, mas eram moles como folhas. Eu não ousava tocá-las, por serem demais repugnantes, mas quanto mais me aproximava da margem, mais elas se adensavam e não me davam espaço para minhas braçadas.
À beira do rio, um representante da prefeitura nos recebeu e uma dúzia de moleques fugidos da escola apareceram para saber o que estava acontecendo. Dali iríamos para a pousada, para descansar. Esperamos a chegada de todos, nos despedimos do Carlinhos com muito pesar, pois ele conhecia muito bem o rio e não nos acompanharia mais daquele ponto em diante. Ele aproveitou a claridade do dia e subiu ligeiro em sua voadeira de volta para Piranhas para dar as boas novas na cidade:
- Eles conseguiram vencer a primeira etapa - todos eles, incluindo ali o Tarzan do Cangaço.
Novas emoções ainda estavam por vir naquela noite!
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Cap.7 - O grande dia. Dia de São Francisco!
Era 4 de outubro de 2011. Dia do padroeiro do Rio e momento mais que apropriado para comemorarmos, na região, os 510 anos do descobrimento do Rio São Francisco. As cidades ribeirinhas celebram intensamente a data, pois o Rio lhes traz boa parte de suas esperanças: na pesca, no abastecimento de água ou na paisagem deslumbrante que se forma.
Agendamos para largar às sete da manhã. Um pequeno grupo de - cerca de três - caiaqueiros nos acompanharia em nosso primeiro dia. Seu desejo - bem como o nosso - era de largar antes das seis da manhã, mas as festividades na cidade e a presença da população e os discursos das autoridades políticas nos obrigaram a postergar ligeiramente o horário de largada.
Isto representaria um esforço maior, pois sabíamos que encontraríamos os maretões - grandes ondas contrárias ao nadador que se formam pela ação dos ventos fortes da região - mas estávamos lá para o que desse e viesse.
Ao chegar à beira do rio, percebi que seu nível estava sensivelmente mais baixo que no dia anterior - algo plenamente previsível devido ao fato de Xingó reduzir sua produção durante a madrugada - horário de menor consumo de energia. Isto queria dizer uma coisa: os redemoinhos que encontrei no dia anterior no final da tarde com o rio cheio estariam mais fortes naquela manhã. Avisei meus colegas de nado a respeito e pedi-lhes muita atenção na região.
Uma hora antes da largada, um senhor da região veio nos procurar para pedir permissão para que seu sobrinho nadasse uma parte do trajeto conosco. Aquele tinha sido um sonho em sua vida - poder nadar uma grande extensão do rio - e ele gostaria de tentar.
Obviamente ficamos muito receosos, mas aceitamos sua participação desde que ele consentisse com nossas recomendações de segurança: nadar sempre junto ao barco dos Bombeiros e parar, quando sentisse que estava cansado. Não podíamos correr riscos. Rodrigo, como era seu nome, tinha cerca de 18 anos, um perfil bem atarracado, similar ao de maratonistas aquáticos e foi rapidamente apelidado de Tarzan do Cangaço. Conhecia muito bem o rio e deu grandes contribuições ao grupo.
Largamos por volta das 7:30h. A Marinha estava presente, bem como o Corpo de Bombeiros do Estado de Alagoas além do barco de apoio pilotado pelo Carlinhos. A estratégia ficou combinada entre todos os participantes da seguinte maneira:
1. começaríamos num ritmo maneiro de modo a passar por Caçamba e Mateus com segurança
2. após esta região, o Foschini e eu poderíamos nadar um pouco à frente enquanto os demais viriam logo atrás, num ritmo possivelmente mais lento
3. não era objetivo de ninguém chegar na frente de ninguém. Nosso objetivo era muito mais simples: chegar a Pão de Açúcar, a próxima cidade em nosso mapa, distante cerca de 45 Km rio abaixo.
Percebam que o Tarzan do Cangaço não usava óculos nem mesmo touca de natação. Ele não sabia o que era maltodextrina, não passou vaselina nas articulações e saiu assim, na raça, de sua cidade natal. Óbvio que, ao longo da travessia, nós o fomos convertendo aos princípios modernos da natação. Eu costumo dizer que "nós o estragamos" um pouco. Mas é fato que, poucas horas após a largada, suas axilas estavam assando, ele estava morrendo de fome e o sol já o estava incomodando um pouco - muito menos que a todos nós, mas ele também sentia a forte insolação da região.
Agendamos para largar às sete da manhã. Um pequeno grupo de - cerca de três - caiaqueiros nos acompanharia em nosso primeiro dia. Seu desejo - bem como o nosso - era de largar antes das seis da manhã, mas as festividades na cidade e a presença da população e os discursos das autoridades políticas nos obrigaram a postergar ligeiramente o horário de largada.
Isto representaria um esforço maior, pois sabíamos que encontraríamos os maretões - grandes ondas contrárias ao nadador que se formam pela ação dos ventos fortes da região - mas estávamos lá para o que desse e viesse.
Ao chegar à beira do rio, percebi que seu nível estava sensivelmente mais baixo que no dia anterior - algo plenamente previsível devido ao fato de Xingó reduzir sua produção durante a madrugada - horário de menor consumo de energia. Isto queria dizer uma coisa: os redemoinhos que encontrei no dia anterior no final da tarde com o rio cheio estariam mais fortes naquela manhã. Avisei meus colegas de nado a respeito e pedi-lhes muita atenção na região.
Os quatro nadadores e as autoridades de Piranhas que nos ajudaram em nossos esforços no dia da largada.
Uma hora antes da largada, um senhor da região veio nos procurar para pedir permissão para que seu sobrinho nadasse uma parte do trajeto conosco. Aquele tinha sido um sonho em sua vida - poder nadar uma grande extensão do rio - e ele gostaria de tentar.
Obviamente ficamos muito receosos, mas aceitamos sua participação desde que ele consentisse com nossas recomendações de segurança: nadar sempre junto ao barco dos Bombeiros e parar, quando sentisse que estava cansado. Não podíamos correr riscos. Rodrigo, como era seu nome, tinha cerca de 18 anos, um perfil bem atarracado, similar ao de maratonistas aquáticos e foi rapidamente apelidado de Tarzan do Cangaço. Conhecia muito bem o rio e deu grandes contribuições ao grupo.
Largamos por volta das 7:30h. A Marinha estava presente, bem como o Corpo de Bombeiros do Estado de Alagoas além do barco de apoio pilotado pelo Carlinhos. A estratégia ficou combinada entre todos os participantes da seguinte maneira:
1. começaríamos num ritmo maneiro de modo a passar por Caçamba e Mateus com segurança
2. após esta região, o Foschini e eu poderíamos nadar um pouco à frente enquanto os demais viriam logo atrás, num ritmo possivelmente mais lento
3. não era objetivo de ninguém chegar na frente de ninguém. Nosso objetivo era muito mais simples: chegar a Pão de Açúcar, a próxima cidade em nosso mapa, distante cerca de 45 Km rio abaixo.
O primeiro mergulho: o início de uma grande aventura!
Percebam que o Tarzan do Cangaço não usava óculos nem mesmo touca de natação. Ele não sabia o que era maltodextrina, não passou vaselina nas articulações e saiu assim, na raça, de sua cidade natal. Óbvio que, ao longo da travessia, nós o fomos convertendo aos princípios modernos da natação. Eu costumo dizer que "nós o estragamos" um pouco. Mas é fato que, poucas horas após a largada, suas axilas estavam assando, ele estava morrendo de fome e o sol já o estava incomodando um pouco - muito menos que a todos nós, mas ele também sentia a forte insolação da região.
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
Cap.6 - Saber ou não saber: eis a questão
Quando era jovem (lá pelos meus 18 ou 20 anos) e participava de uma comunidade na igreja, o Padre Paulo comentou num sermão sobre o que ele chamou de oitavo sacramento. Tratava-se da ignorância.
Obviamente ele não estava pregando para que fôssemos ignorantes; ele apenas nos lembrava que, por vezes por nossa ignorância (não no sentido pejorativo da palavra, mas no sentido de desconhecimento de fatos) não poderíamos ser julgados como não cumpridores da palavra de Deus. Ele se referia aos indígenas, por exemplo, que pouco ou nada conheciam dos sete sacramentos e, por isso, não poderiam ser julgados por não respeitarem as leis da igreja.
No caso dos redemoinhos do Rio São Francisco, eu queria saber. Eu precisava conhecer. Minha ignorância me incomodava. Não iria sossegar enquanto não passasse a limpo esta dúvida: o redemoinho estaria mais forte ou mais fraco com o aumento do fluxo e do nível do rio?
Ainda na véspera de nossa largada, após um bom almoço e um breve intervalo de digestão, fui até a beira do rio e busquei nosso inigualável barqueiro de apoio de Piranhas - o Carlinhos, já mencionado em posts anteriores. Pedi-lhe que me acompanhasse com seu barco enquanto eu nadava os primeiros quilômetros de nossa travessia para testar o ambiente mais uma vez. Expliquei-lhe a minha preocupação e solicitei-lhe que ficasse atento aos acontecimentos.
Eu estava muito tranquilo e dono de mim. Estava em boa forma física e muito bem preparado - corpo e cabeça - para aquele projeto.
Vejam uma foto do ambiente na região de Caçamba, onde os redemoinhos são mais fracos:
As perturbações que se veem na superfície da água são um tanto traiçoeiras e assustam - mais do que representam um real perigo - aos nadadores. É importante estar preparado para não perder o controle ou entrar em desespero na hora.
Entrei sozinho para nadar na companhia de meu fiel escudeiro Carlinhos e lá fomos nós! Chegando próximo ao Caçamba (a primeira região de redemoinhos), ele me avisou:
- Começa por ali. Vai firme que eu estou por aqui.
Entrei nadando com vigor. São inúmeros redemoinhos que se formam, um ao lado do outro, que não permitem muita escolha de trajeto. Você sai de um e entra no outro. Isto acontece por dezenas de segundos - não chega a um minuto - até você conseguir sair da primeira região. Fiquei contente pelo que senti - a turbulência estava sensivelmente menor, sinal de que a hipótese 2 (maior o nível, menor o estrangulamento do rio e menores as turbulências) era mais apropriada.
Fomos até o Mateus (a segunda região de redemoinhos) e o mesmo se passou. Fiquei tranquilo. Agora eu já poderia voltar para o alojamento e compartilhar a experiência com meus companheiros de Travessia.
Mas voltando ao oitavo sacramento - o da ignorância - eu fiquei feliz em saber alguns dias APÓS nossa passagem pela região, que existe um cemitério logo ali, a jusante de Caçamba e Mateus do lado alagoano, para os incautos e inexperientes que se atreveram pela região sem o devido preparo.
É a Santa Ignorância, nos ajudando sempre!
Obviamente ele não estava pregando para que fôssemos ignorantes; ele apenas nos lembrava que, por vezes por nossa ignorância (não no sentido pejorativo da palavra, mas no sentido de desconhecimento de fatos) não poderíamos ser julgados como não cumpridores da palavra de Deus. Ele se referia aos indígenas, por exemplo, que pouco ou nada conheciam dos sete sacramentos e, por isso, não poderiam ser julgados por não respeitarem as leis da igreja.
No caso dos redemoinhos do Rio São Francisco, eu queria saber. Eu precisava conhecer. Minha ignorância me incomodava. Não iria sossegar enquanto não passasse a limpo esta dúvida: o redemoinho estaria mais forte ou mais fraco com o aumento do fluxo e do nível do rio?
Ainda na véspera de nossa largada, após um bom almoço e um breve intervalo de digestão, fui até a beira do rio e busquei nosso inigualável barqueiro de apoio de Piranhas - o Carlinhos, já mencionado em posts anteriores. Pedi-lhe que me acompanhasse com seu barco enquanto eu nadava os primeiros quilômetros de nossa travessia para testar o ambiente mais uma vez. Expliquei-lhe a minha preocupação e solicitei-lhe que ficasse atento aos acontecimentos.
Eu estava muito tranquilo e dono de mim. Estava em boa forma física e muito bem preparado - corpo e cabeça - para aquele projeto.
Vejam uma foto do ambiente na região de Caçamba, onde os redemoinhos são mais fracos:
As perturbações que se veem na superfície da água são um tanto traiçoeiras e assustam - mais do que representam um real perigo - aos nadadores. É importante estar preparado para não perder o controle ou entrar em desespero na hora.
Entrei sozinho para nadar na companhia de meu fiel escudeiro Carlinhos e lá fomos nós! Chegando próximo ao Caçamba (a primeira região de redemoinhos), ele me avisou:
- Começa por ali. Vai firme que eu estou por aqui.
Entrei nadando com vigor. São inúmeros redemoinhos que se formam, um ao lado do outro, que não permitem muita escolha de trajeto. Você sai de um e entra no outro. Isto acontece por dezenas de segundos - não chega a um minuto - até você conseguir sair da primeira região. Fiquei contente pelo que senti - a turbulência estava sensivelmente menor, sinal de que a hipótese 2 (maior o nível, menor o estrangulamento do rio e menores as turbulências) era mais apropriada.
Fomos até o Mateus (a segunda região de redemoinhos) e o mesmo se passou. Fiquei tranquilo. Agora eu já poderia voltar para o alojamento e compartilhar a experiência com meus companheiros de Travessia.
Mas voltando ao oitavo sacramento - o da ignorância - eu fiquei feliz em saber alguns dias APÓS nossa passagem pela região, que existe um cemitério logo ali, a jusante de Caçamba e Mateus do lado alagoano, para os incautos e inexperientes que se atreveram pela região sem o devido preparo.
É a Santa Ignorância, nos ajudando sempre!
domingo, 21 de outubro de 2012
Cap.5 - O início da superação
Todo projeto tem um início, um meio e um fim. Estávamos iniciando nossa viagem de Maceió para Piranhas. Acordamos cedo naquela manhã de segunda-feira. Comemos rapidamente algo só para enganar a fome e o táxi estava nos esperando.
A logística havia sido preparada de última hora - conforme já explicado - e o acertado foi que o Foschini sairia com os bombeiros cedo, ainda de madrugada e os demais - três nadadores e um acompanhante - iríamos de táxi até Piranhas.
O táxi era um Siena e foi possível realizar a viagem com alguma bagagem leve no porta-malas - o pesado estava sendo transportado pelos bombeiros - e cinco marmanjos dentro.
No meio do caminho foi possível acompanhar como a região vai se tornando cada vez mais árida e, por consequência, cada vez mais pobre. A qualidade das estradas não era ruim, mas tratava-se de vias de pistas simples, onde o perigo era iminente.
Mas como todo desafio tem sua parte difícil, esta viagem não podia ser diferente. O taxista colocava um pagode pra tocar que não dava pra aguentar. Posso dizer que foi realmente muito extenuante chegar, quase um calvário! De vez em nunca ele alterava a programação e colocava uma musiquinha Gospel - só para variar! Puxa, aquilo foi realmente difícil!
- O que é que a gente não faz para buscar os nossos sonhos? - pensava com meus botões, enquanto a musiquinha não parava de tocar...
Ao chegar em Piranhas, fizemos uma vaquinha para pagar o taxista e tomamos o cuidado de pegar o recibo para reembolso da viagem pela prefeitura de Piranhas, o que nunca aconteceu. Ficamos no preju, mas vai fazer o quê? Este é o Brasil que vivemos!
O taxista ficou tão impressionado com nossa história que fez questão de tirar uma foto junto ao grupo ali na cidade. Ele dizia que, quando ficássemos famosos e fôssemos vistos na televisão, ele contaria aos amigos que nos conheceu e ainda participou do desafio junto conosco. Eu só esqueci de pedir-lhe um desconto pela insalubridade acústica de seu táxi. Mas fizemos uma boa amizade!
Nossa intenção era ficar na pousada de propriedade de Dona Dione (veja sua simpatia na foto abaixo) à beira do rio, no local exato de nossa partida, mas a Prefeitura de Piranhas nos acomodou num alojamento da CHESF, que ficava a alguns quilômetros do local. Felizmente ela disponibilizou uma van para traslados locais e fomos muito bem atendidos neste sentido.
A viagem foi extenuante e meus colegas de viagem queriam dormir para estarem descansados no dia seguinte. Eu queria percorrer os primeiros quilômetros novamente nadando, para sentir a influência dos redemoinhos na região.
Eu conversava com os técnicos da CHESF e eles já haviam me adiantado que houvera uma pane num subsistema da Região Sudeste e que a Usina de Xingó estava trabalhando acima de seu volume esperado para compensar a falta. De fato, quando chegamos à cidade, percebi que o nível do Rio São Francisco estava bem mais alto - mais de um metro acima do que havíamos testemunhado há dois meses.
Acompanhem o raciocínio, com a ajuda da foto abaixo:
A foto acima foi tirada dois meses antes do início de nossa Travessia. Na véspera de nossa largada, a pedra à esquerda (a mais alta) mostrada na foto acima estava quase totalmente coberta pela água, sinal de que o nível do rio havia subido consideravelmente.
Eu queria entender de que forma a maior vazão influenciaria nos redemoinhos - pensava noite e dia na segurança da prova. Passar por aquelas duas primeiras regiões de redemoinhos - chamadas de Caçamba e Mateus - era uma condição muito importante para garantir esta segurança. Por já haver nadado ali em regime de reconhecimento da região dois meses antes, eu me sentia um pouco responsável por orientar os demais componentes do grupo que ainda não haviam tido a mesma oportunidade.
Quando eu comentava:
- Pessoal, a vazão aumentou dos 1700m3/seg para 2400m3/seg, devido à maior geração de energia por Xingó"
estes números não faziam muita diferença para o grupo. O importante no momento era saber como deveríamos nos comportar na manhã do dia seguinte - e isso nem eu mesmo sabia ao certo.
Minha cabeça trabalhava com duas hipóteses que deveriam ser testadas. Eu só poderia ter certeza se as testasse, nadando por ali mais uma vez antes de nossa largada. Perguntava-me o que ocorreria com os redemoinhos com a vazão e o nível aumentados. Eles aumentariam (por que a vazão é maior, logo a força do rio também é) ou diminuiriam (pois o nível do rio ficou mais alto e houve menor estrangulamento da calha do rio e, consequentemente, menos corredeiras e menos turbulências)?
O pessoal técnico da CHESF não sabia me responder ao certo. Só me diziam para tomar cuidado, pois havia trechos medidos na região com mais de cinquenta metros de profundidade - alguns arriscavam até noventa metros!
A profundidade não é um fator determinante para nadadores - afinal, ficamos apenas na superfície da água. O que realmente nos impressionava naquele rio eram as formações subaquáticas - tratava-se de um enorme e profundo desfiladeiro, onde o fundo irregular rapidamente surgia das profundezas para marcar sua presença na superfície como se fossem inocentes pedras, mas que representam enormes picos que distrocem os retilíneos caminhos das águas (conhecidos em Mecânica dos Fluidos por fluxos laminares) e os transformam em corredeiras rápidas (devido ao abrupo estrangulamento) ou grandes redemoinhos, quando seu movimento se torna circular próximo à superfície.
Para aumentar ainda mais o nível de ansiedade, eu sabia que Matthew Webb, o primeiro nadador que cruzou o Canal da Mancha a nado sem a ajuda de equipamentos ou roupas especiais, havia perdido a vida tentando vencer um enorme redemoinho no Rio Niagara, logo após as cataratas de mesmo nome. Qual das duas hipóteses se mostrou verdadeira? Esta resposta eu deixo para o meu próximo post.
Como diziam naqueles seriados antigos de TV: "Não percam!"
A logística havia sido preparada de última hora - conforme já explicado - e o acertado foi que o Foschini sairia com os bombeiros cedo, ainda de madrugada e os demais - três nadadores e um acompanhante - iríamos de táxi até Piranhas.
O táxi era um Siena e foi possível realizar a viagem com alguma bagagem leve no porta-malas - o pesado estava sendo transportado pelos bombeiros - e cinco marmanjos dentro.
No meio do caminho foi possível acompanhar como a região vai se tornando cada vez mais árida e, por consequência, cada vez mais pobre. A qualidade das estradas não era ruim, mas tratava-se de vias de pistas simples, onde o perigo era iminente.
Mas como todo desafio tem sua parte difícil, esta viagem não podia ser diferente. O taxista colocava um pagode pra tocar que não dava pra aguentar. Posso dizer que foi realmente muito extenuante chegar, quase um calvário! De vez em nunca ele alterava a programação e colocava uma musiquinha Gospel - só para variar! Puxa, aquilo foi realmente difícil!
- O que é que a gente não faz para buscar os nossos sonhos? - pensava com meus botões, enquanto a musiquinha não parava de tocar...
Ao chegar em Piranhas, fizemos uma vaquinha para pagar o taxista e tomamos o cuidado de pegar o recibo para reembolso da viagem pela prefeitura de Piranhas, o que nunca aconteceu. Ficamos no preju, mas vai fazer o quê? Este é o Brasil que vivemos!
O taxista ficou tão impressionado com nossa história que fez questão de tirar uma foto junto ao grupo ali na cidade. Ele dizia que, quando ficássemos famosos e fôssemos vistos na televisão, ele contaria aos amigos que nos conheceu e ainda participou do desafio junto conosco. Eu só esqueci de pedir-lhe um desconto pela insalubridade acústica de seu táxi. Mas fizemos uma boa amizade!
Nossa intenção era ficar na pousada de propriedade de Dona Dione (veja sua simpatia na foto abaixo) à beira do rio, no local exato de nossa partida, mas a Prefeitura de Piranhas nos acomodou num alojamento da CHESF, que ficava a alguns quilômetros do local. Felizmente ela disponibilizou uma van para traslados locais e fomos muito bem atendidos neste sentido.
A viagem foi extenuante e meus colegas de viagem queriam dormir para estarem descansados no dia seguinte. Eu queria percorrer os primeiros quilômetros novamente nadando, para sentir a influência dos redemoinhos na região.
Eu conversava com os técnicos da CHESF e eles já haviam me adiantado que houvera uma pane num subsistema da Região Sudeste e que a Usina de Xingó estava trabalhando acima de seu volume esperado para compensar a falta. De fato, quando chegamos à cidade, percebi que o nível do Rio São Francisco estava bem mais alto - mais de um metro acima do que havíamos testemunhado há dois meses.
Acompanhem o raciocínio, com a ajuda da foto abaixo:
A foto acima foi tirada dois meses antes do início de nossa Travessia. Na véspera de nossa largada, a pedra à esquerda (a mais alta) mostrada na foto acima estava quase totalmente coberta pela água, sinal de que o nível do rio havia subido consideravelmente.
Eu queria entender de que forma a maior vazão influenciaria nos redemoinhos - pensava noite e dia na segurança da prova. Passar por aquelas duas primeiras regiões de redemoinhos - chamadas de Caçamba e Mateus - era uma condição muito importante para garantir esta segurança. Por já haver nadado ali em regime de reconhecimento da região dois meses antes, eu me sentia um pouco responsável por orientar os demais componentes do grupo que ainda não haviam tido a mesma oportunidade.
Quando eu comentava:
- Pessoal, a vazão aumentou dos 1700m3/seg para 2400m3/seg, devido à maior geração de energia por Xingó"
estes números não faziam muita diferença para o grupo. O importante no momento era saber como deveríamos nos comportar na manhã do dia seguinte - e isso nem eu mesmo sabia ao certo.
Minha cabeça trabalhava com duas hipóteses que deveriam ser testadas. Eu só poderia ter certeza se as testasse, nadando por ali mais uma vez antes de nossa largada. Perguntava-me o que ocorreria com os redemoinhos com a vazão e o nível aumentados. Eles aumentariam (por que a vazão é maior, logo a força do rio também é) ou diminuiriam (pois o nível do rio ficou mais alto e houve menor estrangulamento da calha do rio e, consequentemente, menos corredeiras e menos turbulências)?
O pessoal técnico da CHESF não sabia me responder ao certo. Só me diziam para tomar cuidado, pois havia trechos medidos na região com mais de cinquenta metros de profundidade - alguns arriscavam até noventa metros!
A profundidade não é um fator determinante para nadadores - afinal, ficamos apenas na superfície da água. O que realmente nos impressionava naquele rio eram as formações subaquáticas - tratava-se de um enorme e profundo desfiladeiro, onde o fundo irregular rapidamente surgia das profundezas para marcar sua presença na superfície como se fossem inocentes pedras, mas que representam enormes picos que distrocem os retilíneos caminhos das águas (conhecidos em Mecânica dos Fluidos por fluxos laminares) e os transformam em corredeiras rápidas (devido ao abrupo estrangulamento) ou grandes redemoinhos, quando seu movimento se torna circular próximo à superfície.
Para aumentar ainda mais o nível de ansiedade, eu sabia que Matthew Webb, o primeiro nadador que cruzou o Canal da Mancha a nado sem a ajuda de equipamentos ou roupas especiais, havia perdido a vida tentando vencer um enorme redemoinho no Rio Niagara, logo após as cataratas de mesmo nome. Qual das duas hipóteses se mostrou verdadeira? Esta resposta eu deixo para o meu próximo post.
Como diziam naqueles seriados antigos de TV: "Não percam!"
sábado, 20 de outubro de 2012
Cap.4 - O efeito Big Brother
Estávamos na véspera de nosso traslado de Maceió para Piranhas. Os desgastes da perda do Niltão e da confusão de última hora para organizar o transporte preconizavam os dias turbulentos que teríamos pela frente. O que acontecia era que havia duas visões diferentes sobre uma travessia daquele porte.
Para mim, não poderia haver surpresas, pois é o desconhecido que sempre te atrapalha lá na frente. Eu fazia questão de antecipar tudo, de prever o que fosse possível, de modo a evitar o inesperado. Isto faz parte de minha formação anterior. Aprendi muito com minha Travessia do Canal da Mancha e sabia que não se pode dar moleza para o imprevisto.
Neste ponto nossos estilos - meu e do Foschini - eram distintos. Não quero dizer que meu companheiro não planejava os eventos - pelo contrário, acho que ele se empenhou, e muito, na consecução de nossos objetivos. No entanto, em algumas situações eu esperava mais e, nestas horas, eu ouvia um "Na hora a gente vê o que faz" que me deixava bastante preocupado.
Pois aquela fatídica e desgastante noite foi a primeira amostra desta diferença de estilos. No caminho de volta do hotel, onde deixamos Niltão e Santa Cristina, para a casa do Foschini, iniciamos uma discussão sobre o projeto, onde eu afirmei algo do tipo:
- Vamos até o final com este projeto, mas O MODELO no qual ele foi concebido - onde dependemos demasiadamente das prefeituras locais e, por isso, levamos um cano após o outro - não é o modelo por mim preferido. Eu não farei outros projetos dentro deste modelo. Eu prefiro o padrão da 14 Bis, onde entra um patrocínio (no caso, de nossos valorosos amigos da Praticagem de Santos) além de outras organizações de respeito e garantimos uma boa parte de nosso sucesso.
Pronto! Ao manifestar esta opinião, a confusão estava armada. O Foschini tomou isso como uma questão pessoal e entendeu tudo como uma crítica a ele e não ao modelo de organização. Ao chegar em sua casa, ele acordou o Fabio e o Alessandro, que já dormiam confortavelmente para o dia seguinte e fizemos a reunião mais desgastante de nosso projeto.
O desgaste foi ele ter levado o foco da discussão em torno das pessoas, e não do modelo. O Foschini estava bastante transtornado e falava tão alto que até a Lua - o peixe-boi que nadava a quilômetros dali - poderia ouvir. O desânimo na equipe ficou evidente. De seu lado, ele passou a criticar fortemente o modelo da 14 Bis e, pior, criticar as pessoas - nominalmente - que a organizavam. Ouvi críticas horrorosas a gente tão bem intencionada que são aqui impublicáveis.
Como consequência de minha posição quanto ao MODELO de prova adotado no Velho Chico, o Foschini sentiu-se na obrigação de dizer que também não faria mais a 14 Bis.
- Azar seu - declarei - pois a 14 Bis é uma bela prova e você sabe disso!
Como contrapartida, houve insinuações da parte dele que eu deveria abandonar o projeto. Naquela altura do campeonato, depois de todo o desgaste incorrido, depois de todo o investimento feito e depois das centenas de quilômetros nadados com seriedade e empenho? Certamente que não. Por absoluta aderência à minha declaração inicial de "Vamos até o final com este projeto, mas é o primeiro e último neste modelo", manter esta posição foi a melhor coisa que fiz, não somente para mim, como para todo o projeto, como veremos mais adiante.
Afinal como disse o próprio Foschini: "Quem não se empenhar e treinar seriamente não vai conseguir terminar a prova." - o sentimento de terminar a prova era uma questão de honra. Nadar defendendo uma causa sócio-ambiental é muito bom, mas fazê-lo terminando a prova é muito melhor! Quem é nadador sabe disso. Como eu havia treinado e me empenhado seriamente eu não deixaria essa oportunidade passar. Até por que eu só teria uma chance - naquele ano!
O Alessandro chegou a se manifestar certa vez, muito antes desta confusão, que: "o Percival era o líder intelectual (de planejamento) do grupo enquanto o Foschini seria seu líder emocional, seu coração." - esta frase está relatada em um post neste blog, pouco antes da travessia. Apesar de bem intencionada, sua declaração não foi aceita pelo dito "coração" e só piorou as coisas naquela fatídica noite. Nem mesmo este simples blog se livrou de críticas e agressões verbais, coitadinho. Só quem esteve lá para ver.
A reconciliação veio somente após alguns dias, quando, ambos já com as cabeças mais frias, eu lhe convidei a deixar as diferenças de lado e participar da 14 Bis. Espero que ele, realmente, volte. Se quiser ajudar na organização, melhor ainda - será sempre bem-vindo.
"O esporte deve agregar." São estas as sábias palavras de um grande mestre da natação e amigo próximo. Naquela ocasião e em várias outras ao longo do projeto, passamos por espasmos de manifestações pouco esportivas que, ao final, foram todas apaziguadas com o sucesso do projeto.
Em resumo, fomos do céu ao inferno em poucas horas.
Mas é como dizem: quando começa mal, pode terminar bem. E assim foi.
Para mim, não poderia haver surpresas, pois é o desconhecido que sempre te atrapalha lá na frente. Eu fazia questão de antecipar tudo, de prever o que fosse possível, de modo a evitar o inesperado. Isto faz parte de minha formação anterior. Aprendi muito com minha Travessia do Canal da Mancha e sabia que não se pode dar moleza para o imprevisto.
Neste ponto nossos estilos - meu e do Foschini - eram distintos. Não quero dizer que meu companheiro não planejava os eventos - pelo contrário, acho que ele se empenhou, e muito, na consecução de nossos objetivos. No entanto, em algumas situações eu esperava mais e, nestas horas, eu ouvia um "Na hora a gente vê o que faz" que me deixava bastante preocupado.
Pois aquela fatídica e desgastante noite foi a primeira amostra desta diferença de estilos. No caminho de volta do hotel, onde deixamos Niltão e Santa Cristina, para a casa do Foschini, iniciamos uma discussão sobre o projeto, onde eu afirmei algo do tipo:
- Vamos até o final com este projeto, mas O MODELO no qual ele foi concebido - onde dependemos demasiadamente das prefeituras locais e, por isso, levamos um cano após o outro - não é o modelo por mim preferido. Eu não farei outros projetos dentro deste modelo. Eu prefiro o padrão da 14 Bis, onde entra um patrocínio (no caso, de nossos valorosos amigos da Praticagem de Santos) além de outras organizações de respeito e garantimos uma boa parte de nosso sucesso.
Pronto! Ao manifestar esta opinião, a confusão estava armada. O Foschini tomou isso como uma questão pessoal e entendeu tudo como uma crítica a ele e não ao modelo de organização. Ao chegar em sua casa, ele acordou o Fabio e o Alessandro, que já dormiam confortavelmente para o dia seguinte e fizemos a reunião mais desgastante de nosso projeto.
O desgaste foi ele ter levado o foco da discussão em torno das pessoas, e não do modelo. O Foschini estava bastante transtornado e falava tão alto que até a Lua - o peixe-boi que nadava a quilômetros dali - poderia ouvir. O desânimo na equipe ficou evidente. De seu lado, ele passou a criticar fortemente o modelo da 14 Bis e, pior, criticar as pessoas - nominalmente - que a organizavam. Ouvi críticas horrorosas a gente tão bem intencionada que são aqui impublicáveis.
Como consequência de minha posição quanto ao MODELO de prova adotado no Velho Chico, o Foschini sentiu-se na obrigação de dizer que também não faria mais a 14 Bis.
- Azar seu - declarei - pois a 14 Bis é uma bela prova e você sabe disso!
Como contrapartida, houve insinuações da parte dele que eu deveria abandonar o projeto. Naquela altura do campeonato, depois de todo o desgaste incorrido, depois de todo o investimento feito e depois das centenas de quilômetros nadados com seriedade e empenho? Certamente que não. Por absoluta aderência à minha declaração inicial de "Vamos até o final com este projeto, mas é o primeiro e último neste modelo", manter esta posição foi a melhor coisa que fiz, não somente para mim, como para todo o projeto, como veremos mais adiante.
Afinal como disse o próprio Foschini: "Quem não se empenhar e treinar seriamente não vai conseguir terminar a prova." - o sentimento de terminar a prova era uma questão de honra. Nadar defendendo uma causa sócio-ambiental é muito bom, mas fazê-lo terminando a prova é muito melhor! Quem é nadador sabe disso. Como eu havia treinado e me empenhado seriamente eu não deixaria essa oportunidade passar. Até por que eu só teria uma chance - naquele ano!
O Alessandro chegou a se manifestar certa vez, muito antes desta confusão, que: "o Percival era o líder intelectual (de planejamento) do grupo enquanto o Foschini seria seu líder emocional, seu coração." - esta frase está relatada em um post neste blog, pouco antes da travessia. Apesar de bem intencionada, sua declaração não foi aceita pelo dito "coração" e só piorou as coisas naquela fatídica noite. Nem mesmo este simples blog se livrou de críticas e agressões verbais, coitadinho. Só quem esteve lá para ver.
A reconciliação veio somente após alguns dias, quando, ambos já com as cabeças mais frias, eu lhe convidei a deixar as diferenças de lado e participar da 14 Bis. Espero que ele, realmente, volte. Se quiser ajudar na organização, melhor ainda - será sempre bem-vindo.
"O esporte deve agregar." São estas as sábias palavras de um grande mestre da natação e amigo próximo. Naquela ocasião e em várias outras ao longo do projeto, passamos por espasmos de manifestações pouco esportivas que, ao final, foram todas apaziguadas com o sucesso do projeto.
Em resumo, fomos do céu ao inferno em poucas horas.
Mas é como dizem: quando começa mal, pode terminar bem. E assim foi.
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
Cap.3 - Uma grande alegria e uma perda ainda maior
Lá para os meados de setembro - poucas semanas antes de nossa Travessia - tivemos uma grata surpresa: o Niltão, companheiro de inúmeros anos de travessias e nosso barqueiro indispensável na Travessia 14 Bis, programou uma viagem para Alagoas com sua esposa - a Santa Cristina (depois eu explico o qualificador "Santa") - para conhecer a região e, de quebra, nos acompanhar como barqueiro em nosso projeto.
Aquilo foi um empurrão e tanto. Em primeiro lugar, por que pro Niltão não tem mau tempo nunca. Ele é uma pessoa que, com seu entusiasmo, consegue incendiar o grupo e levantar a moral de todos seus componentes. Imediatamente começamos a expandir nossos planos para a prova: eu busquei um serviço de transmissão de imagens ao vivo pela internet (Livestream), contratei um baita plano de banda larga para transmissão em tempo real, fizemos testes de funcionamento do sistema, discutimos as rotinas diárias de acompanhamento dos atletas - enfim, estávamos trabalhando a todo vapor para assegurar a experiência mais agradável possível nas duras horas que teríamos pela frente.
O Niltão não somente seria capaz de orientar os recursos em terra para a consecução de nossos objetivos, ele teria a condição de guiar, como ninguém, os barcos de apoio durante a prova assim como agregar novas funções ao grupo (como a filmagem e transmissão ao vivo). Isto sem contar o seu voto de confiança a um grupo do qual ele conhecia apenas a mim e ao Foschini com maior proximidade.
Posso dizer que, com seus 110 Kg de simpatia, o Niltão seria uma presença DE PESO no grupo.
Assim aconteceu de nos encontrarmos já em Alagoas para um almoço na véspera de nosso traslado até a cidade de Piranhas. Estávamos reunidos na casa do Foschini, onde a Santa Mara Foschini (depois eu explico também este qualificador "Santa") nos ofereceu uma recepção calorosa e inesquecível.
Se o Foschini nadasse tudo o que a Mara cozinha, ele seria um Michael Phelps da terceira idade. Rsrs
Até então estávamos preocupados com os aparatos para uma travessia deste porte: alimentos para os atletas (sobre os quais não havia consenso do grupo - cada um tinha seu cardápio e não havia jeito de unificar as posições a respeito), acondicionamento e manutenção dos alimentos (eu mesmo levei uma grande sacola térmica que foi indispensável para manter a malto numa temperatura agradável), alimentação para a equipe de apoio nos barcos, sinalizadores de emergência, lâmpadas químicas para nado noturno, lanterna de alta potência, rádios comunicadores, protetor solar, etc. Isto sem contar com os aparatos tecnológicos para transmissão ao vivo do evento. Eu não queria contar com a sorte - afinal, esperávamos que os bombeiros que nos acompanhassem apresentassem alguns destes recursos - essenciais para a segurança do nadador. Mas minha decisão de investir nestes itens foi acertada - não havia recursos disponíveis no local e tudo o que foi previsto foi absolutamente essencial para garantir a segurança e, por consequência, o sucesso de nossa empreitada.
Estávamos entrando no clima da prova, quando os primeiros problemas começaram a aparecer. A Prefeitura de Piranhas agendou a van para nos pegar em Maceió com meio dia de atraso. Nessas condições, chegaríamos a Piranhas no iníco da noite para iniciarmos a travessia na manhã seguinte. Não haveria condições de descanso. O outro furo foi que a Santa Mara não iria nos acompanhar em nossa viagem, o que deixava a Santa Cristina sozinha (ou minimamente desacompanhada de seu marido) durante os 5 dias seguintes, previstos para suas férias na região.
A situação começou a ficar crítica. Na noite que antecedia nossa viagem não dispúnhamos de meios para chegar a Piranhas. Estávamos eu, o Foschini, o Niltão e santa esposa no saguão do hotel até altas horas da noite para equacionar via telefone com o Secretário de Turismo de Piranhas - conhecido como Cacau - o nosso traslado. Após horas de tentativas ficou combinado que alugaríamos uma van (ou um táxi) e que a Prefeitura de Piranhas nos reembolsaria a posteriori. Por sorte, quis o destino que conseguíssemos apenas um táxi - menos caro - pois a Prefeitura nunca nos reembolsou nada, ficando somente na promessa.
A esta altura, o Niltão percebeu que o nível de organização na região estava seriamente comprometido e que ele não aceitaria ficar separado de sua esposa durante a viagem. Foi então que ele tomou a sábia e acertada decisão de não acompanhar mais o grupo. Ele estava acostumado a um nível de organização muito mais elaborado, com o da Atlantis na 14 Bis e sabia que ainda viria chumbo grosso pela frente. Infelizmente ele estava certo - e eu sabia disso!
Aquilo foi um baque psicológico muito forte, mas eu o apoiei em sua decisão. Nós teríamos que nos virar com o que tínhamos disponível. Completar a travessia sem o Niltão ainda seria possível, mas não teria a mesma magia nem a mesma repercussão.
Os problemas de nosso Big Brother Alagoas haviam apenas começado...
Aquilo foi um empurrão e tanto. Em primeiro lugar, por que pro Niltão não tem mau tempo nunca. Ele é uma pessoa que, com seu entusiasmo, consegue incendiar o grupo e levantar a moral de todos seus componentes. Imediatamente começamos a expandir nossos planos para a prova: eu busquei um serviço de transmissão de imagens ao vivo pela internet (Livestream), contratei um baita plano de banda larga para transmissão em tempo real, fizemos testes de funcionamento do sistema, discutimos as rotinas diárias de acompanhamento dos atletas - enfim, estávamos trabalhando a todo vapor para assegurar a experiência mais agradável possível nas duras horas que teríamos pela frente.
O Niltão não somente seria capaz de orientar os recursos em terra para a consecução de nossos objetivos, ele teria a condição de guiar, como ninguém, os barcos de apoio durante a prova assim como agregar novas funções ao grupo (como a filmagem e transmissão ao vivo). Isto sem contar o seu voto de confiança a um grupo do qual ele conhecia apenas a mim e ao Foschini com maior proximidade.
Posso dizer que, com seus 110 Kg de simpatia, o Niltão seria uma presença DE PESO no grupo.
Assim aconteceu de nos encontrarmos já em Alagoas para um almoço na véspera de nosso traslado até a cidade de Piranhas. Estávamos reunidos na casa do Foschini, onde a Santa Mara Foschini (depois eu explico também este qualificador "Santa") nos ofereceu uma recepção calorosa e inesquecível.
Se o Foschini nadasse tudo o que a Mara cozinha, ele seria um Michael Phelps da terceira idade. Rsrs
Eita turminha boa de garfo, sô!
Até então estávamos preocupados com os aparatos para uma travessia deste porte: alimentos para os atletas (sobre os quais não havia consenso do grupo - cada um tinha seu cardápio e não havia jeito de unificar as posições a respeito), acondicionamento e manutenção dos alimentos (eu mesmo levei uma grande sacola térmica que foi indispensável para manter a malto numa temperatura agradável), alimentação para a equipe de apoio nos barcos, sinalizadores de emergência, lâmpadas químicas para nado noturno, lanterna de alta potência, rádios comunicadores, protetor solar, etc. Isto sem contar com os aparatos tecnológicos para transmissão ao vivo do evento. Eu não queria contar com a sorte - afinal, esperávamos que os bombeiros que nos acompanhassem apresentassem alguns destes recursos - essenciais para a segurança do nadador. Mas minha decisão de investir nestes itens foi acertada - não havia recursos disponíveis no local e tudo o que foi previsto foi absolutamente essencial para garantir a segurança e, por consequência, o sucesso de nossa empreitada.
Estávamos entrando no clima da prova, quando os primeiros problemas começaram a aparecer. A Prefeitura de Piranhas agendou a van para nos pegar em Maceió com meio dia de atraso. Nessas condições, chegaríamos a Piranhas no iníco da noite para iniciarmos a travessia na manhã seguinte. Não haveria condições de descanso. O outro furo foi que a Santa Mara não iria nos acompanhar em nossa viagem, o que deixava a Santa Cristina sozinha (ou minimamente desacompanhada de seu marido) durante os 5 dias seguintes, previstos para suas férias na região.
A situação começou a ficar crítica. Na noite que antecedia nossa viagem não dispúnhamos de meios para chegar a Piranhas. Estávamos eu, o Foschini, o Niltão e santa esposa no saguão do hotel até altas horas da noite para equacionar via telefone com o Secretário de Turismo de Piranhas - conhecido como Cacau - o nosso traslado. Após horas de tentativas ficou combinado que alugaríamos uma van (ou um táxi) e que a Prefeitura de Piranhas nos reembolsaria a posteriori. Por sorte, quis o destino que conseguíssemos apenas um táxi - menos caro - pois a Prefeitura nunca nos reembolsou nada, ficando somente na promessa.
A esta altura, o Niltão percebeu que o nível de organização na região estava seriamente comprometido e que ele não aceitaria ficar separado de sua esposa durante a viagem. Foi então que ele tomou a sábia e acertada decisão de não acompanhar mais o grupo. Ele estava acostumado a um nível de organização muito mais elaborado, com o da Atlantis na 14 Bis e sabia que ainda viria chumbo grosso pela frente. Infelizmente ele estava certo - e eu sabia disso!
Aquilo foi um baque psicológico muito forte, mas eu o apoiei em sua decisão. Nós teríamos que nos virar com o que tínhamos disponível. Completar a travessia sem o Niltão ainda seria possível, mas não teria a mesma magia nem a mesma repercussão.
Os problemas de nosso Big Brother Alagoas haviam apenas começado...
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
Cap.2 - A importância de se formar um time
Poucos dias antes de nossa viagem a Alagoas para nossa grande Travessia, havíamos tido poucas chances de exercitar o espírito de equipe. Desde a ideia inicial do projeto até sua materialização foram apenas cerca de 4 meses. Neste pouco tempo, pudemos estar juntos apenas em duplas e em pouquíssimas ocasiões.
Eu e o Foschini visitamos algumas cidades da região em Alagoas cerca de dois meses antes da prova para contatar autoridades e conhecer minimamente as condições do rio. Eu e o Fabio nos encontramos uma manhã em Copacabana para um treino rápido de 40 minutos. O Alessandro e o Fabio treinaram uma manhã e uma tarde juntos na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. O Fabio e o Foschini fizeram um treino em mar já em Maceió e nadaram alguns poucos dias em piscina por lá.
Não tivemos a oportunidade de treinar todos juntos nem mesmo uma vez - e isso fez falta lá na frente, na hora do "vamos ver".
No entanto, o grupo mostrava muita força de vontade e buscava a coesão, apesar destas dificuldades. Trocávamos emails com treinos e experiências. No entanto, um de nossos colegas - o Tiago Sato de Brasília - estava com dificuldades para conseguir pagar por sua viagem (ele nos dizia que só iria se conseguisse um patrocinador) e, sem um horizonte de possibilidades, não treinou e não se envolveu no mesmo clima do restante do grupo. Enquanto alguns relatavam entusiasmo e bons resultados em seus treinos, o Sato relatava que "... não estava treinando nada", que nem sabia se conseguiria participar.
Isso o distanciou bastante dos objetivos do grupo e, ao final, não foi possível levá-lo. Foi um desgaste, mas acabou sendo uma decisão acertada. Afinal, uma prova deste calibre não é um passeio e demanda muita responsabilidade para que seja bem sucedida. Como disse o Foschini:
"Quem não treinar sério não vai conseguir terminar a prova." Infelizmente ele estava absolutamente correto ao afirmar isso - e eu concordava plenamente com ele -, como mostraremos adiante, na descrição em maiores detalhes desta prova.
Assim, fomos apenas quatro nadadores que viajamos até Piranhas para iniciar nosso projeto. Em Piranhas, conhecemos o Rodrigo, apelidado de "Tarzan do Cangaço", que se juntou ao grupo de última hora e que será descrito nos próximos capítulos. Mas ainda estávamos em busca da equipe ideal. Aquela que trabalha por um mesmo objetivo e pensa no grupo em primeiro lugar.
A meu ver, este foi o grande ponto de melhoria observado na inesquecível experiência que esta prova representou para todos nós. Se me perguntassem o que deveria ser mudado na organização de um evento assim, eu afirmaria sem titubear: "Forme uma equipe, exercite o espírito de união social e evite (ou pelo menos minimize) o efeito Big Brother durante a prova."
Vamos entender, nos próximos textos, como tudo se passou.
Eu e o Foschini visitamos algumas cidades da região em Alagoas cerca de dois meses antes da prova para contatar autoridades e conhecer minimamente as condições do rio. Eu e o Fabio nos encontramos uma manhã em Copacabana para um treino rápido de 40 minutos. O Alessandro e o Fabio treinaram uma manhã e uma tarde juntos na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. O Fabio e o Foschini fizeram um treino em mar já em Maceió e nadaram alguns poucos dias em piscina por lá.
Não tivemos a oportunidade de treinar todos juntos nem mesmo uma vez - e isso fez falta lá na frente, na hora do "vamos ver".
No entanto, o grupo mostrava muita força de vontade e buscava a coesão, apesar destas dificuldades. Trocávamos emails com treinos e experiências. No entanto, um de nossos colegas - o Tiago Sato de Brasília - estava com dificuldades para conseguir pagar por sua viagem (ele nos dizia que só iria se conseguisse um patrocinador) e, sem um horizonte de possibilidades, não treinou e não se envolveu no mesmo clima do restante do grupo. Enquanto alguns relatavam entusiasmo e bons resultados em seus treinos, o Sato relatava que "... não estava treinando nada", que nem sabia se conseguiria participar.
Isso o distanciou bastante dos objetivos do grupo e, ao final, não foi possível levá-lo. Foi um desgaste, mas acabou sendo uma decisão acertada. Afinal, uma prova deste calibre não é um passeio e demanda muita responsabilidade para que seja bem sucedida. Como disse o Foschini:
"Quem não treinar sério não vai conseguir terminar a prova." Infelizmente ele estava absolutamente correto ao afirmar isso - e eu concordava plenamente com ele -, como mostraremos adiante, na descrição em maiores detalhes desta prova.
Assim, fomos apenas quatro nadadores que viajamos até Piranhas para iniciar nosso projeto. Em Piranhas, conhecemos o Rodrigo, apelidado de "Tarzan do Cangaço", que se juntou ao grupo de última hora e que será descrito nos próximos capítulos. Mas ainda estávamos em busca da equipe ideal. Aquela que trabalha por um mesmo objetivo e pensa no grupo em primeiro lugar.
A meu ver, este foi o grande ponto de melhoria observado na inesquecível experiência que esta prova representou para todos nós. Se me perguntassem o que deveria ser mudado na organização de um evento assim, eu afirmaria sem titubear: "Forme uma equipe, exercite o espírito de união social e evite (ou pelo menos minimize) o efeito Big Brother durante a prova."
Vamos entender, nos próximos textos, como tudo se passou.
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Cap.1 - Um belo logo para uma distância crível
Poucos dias antes de nossa Travessia, enviei ao Foschini uma sugestão de logotipo para nossa empreitada. Ele foi concebido por meu grande amigo Willian Shinzato, companheiro de natação em São Caetano e que tem um viés artístico muito apurado. Foi ele também quem criou o logo da Travessia 14 Bis, que foi ao conhecimento de todos no ano de 2011, usado amplamente em toucas e camisetas da prova.
Acredito que não houve tempo para utilizá-lo, mas gostaria que todos o conhecessem, pois foi feito exclusivamente para este evento e não deve (nem pode) ser usado em eventos subsequentes. Aí está:
Lindo, não? Inspirado na paisagem local, ele integra perfeitamente o nadador ao ambiente de nosso desafio e proporciona informações precisas sobre o evento.
Sobre a distância nadada, tivemos inúmeras discussões. O Foschini inicialmente afirmava que seriam mais de 200 Km nadados. Eu medi pelo Google e contestava o número, dizendo que seriam apenas 170.
Para variar, não tínhamos consenso entre eu e o Foschini. Ele dizia que, nas tortuosidades do rio, o nadador acabaria por nadar muito mais. Eu afirmava que era pouca a diferença e, quando mostrei geometricamente que a diferença entre o cateto adjacente e a hipotenusa era pouca quando o cateto oposto era pequeno, ele ficou me olhando com cara de interrogação e abandonou a discussão.
Quando eu cheguei a Maceió, recebi uma camiseta da prova com os dizeres: "180 Km no Velho Chico".
- Bom, pensei, pelo menos uma parte da explicação foi aceita!
Durante os dias de nossa prova, os bombeiros nos ajudaram bastante com seu GPS. Eles puderam certificar as distâncias nadadas a cada dia. Para minha felicidade, pude constatar que as distâncias que eu defendia estavam muito próximas da realidade. Lembro-me de uma diferença de apenas cem metros num dia - e para menos! Isso ajuda a dar credibilidade ao evento.
A Travessia 14 Bis já sofreu muito com essa história. Por mais de trinta anos, ela foi divulgada como tendo extensos 42 Km quando, na verdade, tem apenas 24. Hoje, até um pouco menos - uns 23 quilômetros e pouquinho - por ter sido encurtada para antes da balsa em Bertioga. Eu já participava de sua organização quando decidimos acabar com esse desvio de informação. O Major Cézar - esse incansável batalhador e defensor desta magnífica prova - fez as medições e eu passei a divulgar o fato. Mas até hoje ainda tem gente que se refere à prova como os 42 Km.
Na época do Velho Chico, pensamos em concluir a prova de Penedo até a foz do rio. Isso daria apenas mais 40 Km. No total, são 210 Km de desafios de Piranhas até a foz. Infelizmente não foi possível, dada a programação com as prefeituras locais. Mas guardem este número, antes que seja distorcido e inflado por pessoas que querem parecer mais do que realmente são. Eu defendo a transparência e exatidão com o claro objetivo de manter a credibilidade da prova.
No transcorrer da prova, ouvimos relatos de moradores locais que dramatizaram ainda mais as distâncias, afirmando a impossibilidade de cumpri-los. Isto influenciou alguns dos nadadores negativamente, como veremos adiante, levando a resultados pouco realizadores.
Vocês conhecem aquele história da única rã que chegou no topo por que ela era surda e não ouviu as críticas de que sua missão era impossível? Acho que tive esta sorte. Minto - não foi "sorte" no sentido da palavra. Apenas mantive-me fiel aos meus princípios técnicos e às distâncias calculadas: eu havia me preparado para aquilo e foi exatamente aquilo que consegui cumprir, com muito esforço!
Acredito que não houve tempo para utilizá-lo, mas gostaria que todos o conhecessem, pois foi feito exclusivamente para este evento e não deve (nem pode) ser usado em eventos subsequentes. Aí está:
Lindo, não? Inspirado na paisagem local, ele integra perfeitamente o nadador ao ambiente de nosso desafio e proporciona informações precisas sobre o evento.
Sobre a distância nadada, tivemos inúmeras discussões. O Foschini inicialmente afirmava que seriam mais de 200 Km nadados. Eu medi pelo Google e contestava o número, dizendo que seriam apenas 170.
Para variar, não tínhamos consenso entre eu e o Foschini. Ele dizia que, nas tortuosidades do rio, o nadador acabaria por nadar muito mais. Eu afirmava que era pouca a diferença e, quando mostrei geometricamente que a diferença entre o cateto adjacente e a hipotenusa era pouca quando o cateto oposto era pequeno, ele ficou me olhando com cara de interrogação e abandonou a discussão.
Quando eu cheguei a Maceió, recebi uma camiseta da prova com os dizeres: "180 Km no Velho Chico".
- Bom, pensei, pelo menos uma parte da explicação foi aceita!
Durante os dias de nossa prova, os bombeiros nos ajudaram bastante com seu GPS. Eles puderam certificar as distâncias nadadas a cada dia. Para minha felicidade, pude constatar que as distâncias que eu defendia estavam muito próximas da realidade. Lembro-me de uma diferença de apenas cem metros num dia - e para menos! Isso ajuda a dar credibilidade ao evento.
A Travessia 14 Bis já sofreu muito com essa história. Por mais de trinta anos, ela foi divulgada como tendo extensos 42 Km quando, na verdade, tem apenas 24. Hoje, até um pouco menos - uns 23 quilômetros e pouquinho - por ter sido encurtada para antes da balsa em Bertioga. Eu já participava de sua organização quando decidimos acabar com esse desvio de informação. O Major Cézar - esse incansável batalhador e defensor desta magnífica prova - fez as medições e eu passei a divulgar o fato. Mas até hoje ainda tem gente que se refere à prova como os 42 Km.
Na época do Velho Chico, pensamos em concluir a prova de Penedo até a foz do rio. Isso daria apenas mais 40 Km. No total, são 210 Km de desafios de Piranhas até a foz. Infelizmente não foi possível, dada a programação com as prefeituras locais. Mas guardem este número, antes que seja distorcido e inflado por pessoas que querem parecer mais do que realmente são. Eu defendo a transparência e exatidão com o claro objetivo de manter a credibilidade da prova.
No transcorrer da prova, ouvimos relatos de moradores locais que dramatizaram ainda mais as distâncias, afirmando a impossibilidade de cumpri-los. Isto influenciou alguns dos nadadores negativamente, como veremos adiante, levando a resultados pouco realizadores.
Vocês conhecem aquele história da única rã que chegou no topo por que ela era surda e não ouviu as críticas de que sua missão era impossível? Acho que tive esta sorte. Minto - não foi "sorte" no sentido da palavra. Apenas mantive-me fiel aos meus princípios técnicos e às distâncias calculadas: eu havia me preparado para aquilo e foi exatamente aquilo que consegui cumprir, com muito esforço!
Braçadas vitais
Foi com esse título que o editor e agora amigo Rodrigo de Oliveira publicou um artigo com fotos deslumbrantes sobre nosso projeto no Velho Chico em uma revista digital de alcance mundial, chamada Revista Volta ao Mundo.
Reproduzo no link a seguir o conteúdo da matéria, em formato PDF:
Nadando no Velho Chico
Vale a pena conferir.
Espero que gostem.
Reproduzo no link a seguir o conteúdo da matéria, em formato PDF:
Nadando no Velho Chico
Vale a pena conferir.
Espero que gostem.
Assinar:
Postagens (Atom)